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Mostrando postagens de maio, 2011

scrapbook (3)

Casais num restaurante olham para o nada quando deveriam olhar apenas um para o outro. Falam quando deveriam permanecer calados, insistem em amar errado. * A infecção não é de agora; ela vem de antes. * xingar as estrelas * Nanda deixara de ser a mulher da vida de Laurinho para se tornar um hábito de fala. "Vamos procurar a Nanda" = vamos tomar cerveja. "Vamos procurar a Nanda" = vamos ver o que tá passando no multiplex do shopping. * eu quero me perder a porta está aberta diante de mim. Mas não devo não posso entrar. * uma aula dura aproximadamente três chicletes * - Você é só coração, Mariano. Seria mesmo? Teve medo. Gente que é só coração não sobrevive neste mundo. É espezinhada, torturada, exterminada, esmagada debaixo das lagartas blindadas dos que são só estômago. Testemunhara tanta gente boa levando decepção na cabeça que tudo lhe convencia que gente assim tinha nascido pra sofrer. Assim, enquanto caminhava de volta pra

terezas

Vou te perguntar uma coisa, mas, dependendo da resposta, peço que não fique assustada com minha reação. Hm, que misterioso, pergunta. Qual seu nome? Tereza. Não! Uai! Tereza, não! Qual é o problema?! Não pode ser Tereza, não pode! Endoidou? O que pega é que toda mulher por quem me apaixono se chama Tereza. Você se apaixonou por mim? Mas a gente se encontrou nesse instante. E já vamos ter que nos despedir no instante seguinte. Não percebe? Percebo nada. Se você é Tereza, vou me apaixonar por você, é inevitável. Como você é louco. Duvida? Minha mãe tinha por nome Tereza, minha avó, Tereza, todas as minhas cinco namoradas sérias eram Tereza, foram Terezas todos os meus casos. Minha vida inteira não passou de uma longa sucessão de Terezas. Estou certa de que foi só coincidência. Namorei até uma Mônica, mas ela era foragida da polícia e descobri que seu nome verdadeiro era... você sabe. Mas peraí, você só se apaixona por Terezas ou só as Terezas se interessam por você? Ah, o velho paradox

diálogo (2)

- ... - ... - Posso ajudar? - Oi? - Posso ajudar em alguma coisa? Por que, pelo jeito que você tá olhando minha namorada, parece que tá precisando de alguma coisa. - Gastão, não faz isso. - O amigo se enganou. Não estou olhando pra ela. - Não é o que parece. - Não estava mesmo. Ela nem faz o meu tipo. - Deixa de provocar briga, Gastão. - Peraí, bem. E qual seria o tipo do senhor? - Vamos parar por aqui, sim? - Nãããããão, eu quero saber, se o "amigo" diz que não está encarando minha namorada porque ela não faz o seu "tipo", eu quero saber a que tipo se refere. As mulheres acompanhadas, por acaso? - Normalmente, eu prefiro as solteiras. - Dá pra parar, vocês dois? - Além do mais, eu me atraio por mulher mais... mais... com atitude, entende? - Como assim? - Mulher que se impõe. Com vozeirão. Sobrancelha grossa, cara de poucos amigos. A sua namorada é muito... - Muito o quê? - Menininha. Parece bobinha, vozinha fina. Desculpa. - Gastão, vamos emb... epa, como é que é? -

scrapbook (2)

largou ele porque tinha lábio leporino, né safada???! * circo de mim *  eu gosto do que é trash e do que vai me render votos nas eleições legislativas * cabines de tolerância que acabam se tornando países inteiros * tentei me tornar um grande nome da literatura marginal. acabei roubado. * "Rolling in the deep" Weak guy who tried to kill himself after a tough separation returns after years of absence from the city. Hardened... with a vengeance. He watched the beast of the city unfurling slowly, begin its trajectory for the day. He could see the shadows encircling the buildings during daytime, lunging forward. - I´m back, bitches. * Entrevistador. Entrevistado. A guerra definitiva. * O caso Susana D´Arcoville *  1. O que foi que eu fiz? 2. Qual é o problema? Aconteceu alguma coisa? 3. Mas que problema você causou, hem?? 4. Vou te ajudar no teu problema, mas é a última vez! * O filósofo armado! * República de Kluger-Muger

despachos da guerra

(alef) Um cruzado e um mouro duelam ferozmente às portas de Jerusalém. Por fim, um deles aproveita uma breve interrupção na luta e grita, usando seu último fôlego: - E se o seu e o meu Deus forem o mesmo Deus?! Mais não ouve, pois o outro, sem compreender a pergunta, desfere um golpe preciso que lhe decepa a cabeça. * * * (baa) Ahmed lembra da maré calma do porto de Áden, onde nasceu, e de suas águas verde-turquesas. Recorda-se do prazer de saltar do alto de uma rocha com os amigos, despencando de uns dez metros nas ondas suaves do Golfo. Ao longe, os navios deslizam gentilmente para o cais. Uns poucos ingleses sorriem e tiram fotografias. O mar é o sustento da família. Trata-se de uma mãe gorda e generosa, com seus grandes braços aquáticos a oferecer coisas boas, pois é do mar que vêm os peixes que terminam em pratos deliciosos servidos no tapete da sala da casa de Ahmed, e também de onde vêm as pérolas que seus primos mergulham para colher e que já haviam enriquecido dois t

dona ventura e filho

- Antônio! - Mamãe... mamãe... - Há quanto tempo você não liga, meu filho! Tá tudo bem? - Não, mamãe... Tá tudo ruim... - Você está chorando?! - Ela me deixou, mamãe... - Quem? A Solange? A Solange te deixou? - Deixou, mamãe. - Graças a Deus. - Mãe!! - Que notícia boa, Antônio! - Nao diga isso, mãe! Eu amo ela! - Que o quê, essa mulher é uma vagabunda. Ah, meu filho, você me deixou tão feliz agora. - Mas eu tô sofrendo aqui! - Por uma vagabunda? Você já se esqueceu que ela te traiu? Mais de uma vez? - Não... - E que ela te roubou? Te botou pra fora de casa? Te fez ser preso?! - Mamãe... - Nada de mamãe! Aguentei essa vergonha por muito tempo sem dizer nada. Agora você é um homem livre. Bola pra frente. - Eu sinto falta dela, mãe. - Mas ela não sente falta de você. Essa mulher não sente nada por ninguém, Antônio, ela é uma víbora, uma assassina. Está muito melhor sem ela. Ela te fazia mal. - Mas eu amo ela! - Então você é um imbecil! Ela te faz mal! - Mas eu gosto!! - Filho! - Eu gosto

dois textos

(1) Uma das muitas habilidades humanas que admiro é a de antropomorfizar paisagens, transfigurá-las de modo a que ganhem rosto e nome, preenchendo de reflexão onde, antes, havia só pó e rocha. Como traduzir em saudade um mar calmo? Transformar montanhas em solidão? O tempo todo, damos nomes ao que, de outra forma, jamais será nomeado. Comparamos nuvens a rostos conhecidos e animais, sabendo no fundo que tal se trata de um fútil exercício de luta contra nossa mortalidade. Se este mar me lembra algum amor, ele será eternizado nas águas, enquanto eu desaparecerei como se jamais tivesse existido. Tomamos emprestada a perenidade da natureza em nome de nossos desejos fugidios. Os céus, porém, estão se lixando para suas memórias. Os mares e oceanos não se importam com suas saudades. E as florestas, os campos e lagos não sabem nem querem saber de seus amores, pois o que aprenderam a fazer são apenas coisas de campo, do tipo, parecer verde na primavera e marrom no outono, fazer com que as

diálogo

- Gosto de ti de graça. - Sério. - Duvida? Gosto de tudo. Do que é bom e do que é ruim. Até do que você não gosta de si. - Fala, mas não crê seriamente nisso. - Creio. - Digo qualquer coisa que te parte o coração. - Impossível. - Olha lá. - Tenta.  - Olha que tento. - Vai. - Eu fingi cada orgasmo. - Mas ainda estás comigo. - Gosto do teu melhor amigo. - Gosto que meus amigos sejam amigos de minhas namoradas. - Dormi com teu melhor amigo. - Dorme com ele mas fica comigo. - Dormi com teu melhor amigo só pra te ferir. - Se quer me ferir é porque pensa em mim. - Não. Só quero tuas coisas. - Então fica com tudo. Se ficar comigo, te consigo ainda mais coisas. - Tenho horror do seu corpo, seu cheiro. - Então ama-me pela minha conversa. És sofisticada. - Também tenho horror à tua voz. - Perco meu fôlego, não consigo falar perto de ti. - Dá-me náuseas o cotidiano, a fidelidade, a hipótese de ficar contigo até a morte. - Considero superestimado o casamento. - Odeio tua mãe. - Também não me dou

the dark matter of the heart

the dark matter of the heart. I thought this to be a good title for a poem, a cool name for a bleak poem. It would inspire sad feelings on happy people and compel them to read it. Alas, my little scheme did not work out. Unfortunately, I felt no sad nor bleak impulses that would compel me to write, so I kept staring at the blank page on my desk, waiting for a raven to come tapping at my chamber-door. Nothing came. Nothing on the page except the cool title on top. I began to ponder on the significance of the title, "the dark matter of the heart". I came up with two distinct meanings: (a) some empty, hollow space located in the heart, a cavity devoid of substance, possibly a vacuum; (b) some obscure affair held by the heart, a secret, a conundrum, possibly dangerous if set free, venomous if kept contained. I wrote both definitions with a blue ballpoint pen on the right margin of the page, small script, I thought about them for a moment and tried to sadden my

donne

Antoine de Saint-Exupéry escreveu que eu sou responsável por aquilo que cativo, mas não, eu não sou responsável por nada, Antoine de Saint-Exupéry era um escritor que desapareceu num desastre de avião, e no momento preciso em que despencou dos céus, quem era responsável por ele? Antoine de Saint-Exupéry nunca me conheceu e assim caminho, imerso numa irresponsabilidade atroz, a sucessão de horizontes a me distrair da banalidade, das pequenas surpresas, do roteiro diário. "Eu não sou responsável por nada", por quê este trovão me soa tão libertador e tão escravocrata? "Eu não sou responsável por nada", expele fumaça e permanece suspensa, sobre as cabeças no café escuro. Posso cortar a âncora e zarpar rumo ao imenso azul profundo, à deriva, presa das tempestades. Meu barco é diminuto, meu barco. Posso divagar pelo deserto sem fim, apreciando a paisagem, mas sem torso quente que me abrigue da noite selvagem. Posso gritar tudo o que penso no vácuo.