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Mostrando postagens de março, 2011

salões de embarque e estações de trem

P arte. Toda vez que parte, busco gramática de partida, algum material quimérico de leitura que me organize os fatos, confira a eles cronologia e me ajude a suportar a próxima inevitável despedida. Você tem tantos rostos. Introdução: Estamos os dois, salão de embarque de aeroporto, estação de trem, parada de ônibus, ponto de táxi, portaria de prédio, porta de entrada - e de saída - de apartamento, enfim, qualquer local que prenuncie chegadas e partidas. O local há de ser anódino o suficiente, descaracterizado o bastante para que sirva às partidas de qualquer um, consultório de médico. Não preenchamos os lugares com cores, apenas nossas dores. Também há de ser funcional, funcionar como portal, para que quem o atravesse se sinta transportado, irremediável, de um cenário a outro. A partida fatal deve ser definitiva, e qualquer reencontro posterior deverá ser sucedido por outra partida. Capítulo Um: do(a) que parte. Veste cores sóbrias, que o adeus é coisa triste. Se o adeus se trata

o mundo é plano

Em Nova York, representantes de todos os países se reúnem no prédio da Organização das Nações Unidas para discutir assunto crítico à segurança mundial. Uma ameaça paira sobre o mundo que, caso não seja enfrentada, aniquilará a raça humana. - Senhores Embaixadores - principia a falar o Secretário-Geral da ONU, com a voz embargada, enquanto a audiência o escuta atentamente -: como sabem, convoquei este encontro buscando uma solução para a atual crise. Neste momento, devemos pôr de lado nossos conflitos para dar cabo de um mal que há 30 anos assola o planeta, e que, nos últimos tempos, adquiriu proporções catastróficas. O Secretário-Geral pausa por um momento para controlar a emoção em sua voz. Bilhões de olhos o seguem silenciosamente através da televisão, de telas de computador, estações de rádio, das cadeiras do próprio auditório da Assembléia. Ninguém ousa pronunciar uma palavra ou esboçar um movimento, numa paralisia planetária. - Há décadas, procuramos juntos meios de combat

assim começa (25/nov/2006)

Post de cinco anos atrás. What a difference a day makes. Sábado, Novembro 25, 2006 assim começa Sabe o quê? Vou parar de insistir. Muita coisa aconteceu. Com tantos mal-entendidos, tantas coincidências ingratas, eu comecei a acreditar no destino e o tempo correu pra trás. Ela parece que está ali, por um momento (estou falando da felicidade, por favor), um cristal tão frágil, para dissipar-se no instante seguinte, e eu continuo andando com minhas velhas companheiras. E, em outro mal-entendido / confusão de horário / imprevisto, Isabel Evangelista some das minhas vistas apenas para continuar na memória: inalcançável. Ontem, ela ligou. Não pude discernir muito o que dizia: compreendi apenas que estava bêbada e que sentia muito por nenhum de nossos encontros ter se concretizado. Percebi que ela sentia o mesmo que eu; que também se cansava das escrotices do destino. Desde que nos vimos pela primeira e derradeira vez na casa de uma amiga em comum, rolou uma empatia mútua. Sincronic

líbia

Um amigo se aproxima com notícias da Líbia: - Uma revolução, compreende?! - Segura-me forte o antebraço e agita o punho, como se estivesse a bradar na praça central de Trípoli pela queda de Kadafi. - Esse cleptocrata está no poder há 42 anos! O povo quer democracia! O povo quer pão! E eu, que já tenho democracia e pão, só quero Valéria. - Um vento de liberdade varre o mundo árabe! É nosso dever, como homens livres, ajudar a florescer a chama da justiça! -, grita, qual Repórter Esso. O garçom se aproxima e pede que falemos mais baixo, o restaurante é de família, os senhores compreendem. Meu amigo continua a tagarelar sobre as particularidades do processo de formação histórica das nações magrebinas, as demandas mais-que-justas do povo. Da rua, um menino brasileiro estende a mão pela janela pedindo uma esmola. Meu rebelde o ignora: - O pan-arabismo de Nasser virou uma piada de mau-gosto nas mãos de gente como Kadafi, Ben Ali, Mubarak! As promessas do socialismo árabe, entende! As promes

tudo o que você sempre quis

Lauro Júlio Saiu Para Comprar Pão, Encontrou a Ex-Namorada na Padaria: TUDO o Que Você SEMPRE QUIS! Realize AGORA O Sonho Da Casa Própria! Oi, Anete. Ela Está Mais Bonita Por Causa da NOVA FÓRMULA, extraídadaervadesapuebuncarangaquecresceapenasnointeriordaflorestaamazônicacultivadademodo100%sustentável100%natural. Oi, Lauro. Homem Inteligente, a REVISTA do Homem Moderno Porém Sensível, TODA SEMANA com Dossiê SEGUNDA Guerra Mundial, Coleção Exclusiva de DVDs TODA SEMANA NAS BANCAS. Como você tá, Anete? Ela Tá Como O Novo Som de GUARATINGUETÁ, 101.9 FM, A Sua-A Minha-A Nossa RÁDIO POPULAR Promovendo HOJE CONCURSO da Garota CAMISA MOLHADA, NO Próximo SÁBADO Às DEZESSEIS HORAS na Feira do AUTOMÓVEL ao Lado do Estádio DA CIDADE. Eu Tô Bem, Ando Bem, Ajudando Minha Mãe na LOJA, TUDO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO Do Piso ao TETO, É TINTA, É Duto, É TUDO pra CONSTRUÇÃO, Pra Casa ou Escritório, E Você, Procurando Trabalho? PROFESSORES DE QUALIDADE, Quem Entra na LUTA Pelo Vestibular É Pra Entr

beijos não mudam nada

- Beijos não mudam nada. - Então deixemos tudo como está. - Impossível. Recuso-me a permanecer onde estou. Se paro, perco o equilíbrio e caio. - Categórico! Então me beija o peito. - Beijo. - Me beija a virilha. - Beijo. - Me lambe a virilha. - Lambo. - Agora xinga. - Puta! - Xinga minha mãe! - Filha da puta! - Seja criativo! - Sua mãe é uma mau-caráter! Cretina! Sonegou o imposto de renda! - Mais! - É uma chata! Aborrecida! Torturou criancinhas! Furou o semáforo na frente de uma creche! Falou mal do Chico Buarque! - Agora minhas irmãs! Fala das minhas irmãs! - Vocês são duas filhas da puta! - Eu tenho duas irmãs!! - Vocês três!!! - Chega! Ela me larga. Encolhe-se no outro canto da cama. "Cansei", murmura, e sorri.

olhe para o gato

Qual? Aquele da vitrine. Não estou vendo. Aquele, menina, de brinquedo, dourado, com a pata subindo e descendo. Ah, sim. Que tem ele? Preste atenção. Pra quê? Apenas preste. Olhe fixamente para ele. Esqueça da rua, esqueça de mim, de mim e dos meus bigodes. Esqueça-se de si. Apenas olhe para o gato. Pense apenas nele. Deixe que se torne sua obsessão. Deixe que se torne sua desculpa para viver. Seu amor, suas roupas. Não medite sobre a bizarria da situação. Não pense que eu, um completo estranho, interpelei-a no meio da rua e pedi que você olhasse um gato de plástico, que o fitasse. Pode não parecer agora, mas ISTO é importante. Não passe por cima disto. Não o ultrapasse. Não o maldiga. O gato. Não maldiga o gato. Esqueça-se de seus compromissos. Esqueça-se do frio, da aspereza das mãos, da comichão nos lábios, da sua fome. Esqueça-se do momento. Esqueça-se de onde deveria estar agora, e porquê. Apenas observe. Fite. Fite. Encare. Examine. Olhe para ele. Algo de fundamental ocorrerá n

frase do dia

do amigo Jorge Mortean: " Você ama uma pessoa; você casa-se com outra. A pessoa com quem você se casou vira seu cônjuge. A pessoa que você ama se torna a senha do seu e-mail."

estouraram meus amores

Estourou meu sapato, Estourou meu paletó, Estourou meu casaco, minhas meias estouraram, Bolsos das calças todos estourados. Estouraram meus amores, Esfarrapados, esgarçados, dilacerados, rotos. Cortados em tiras, Aconfetinados. Espalhados pelo chão, pela atmosfera, Pulverizados, em suspensão no quarto, Infiltrando-se nos pulmões de amores outros, A se instalarem. A fecundarem. Respirados. Desintegrados, meus amores. Absorvidos. Desaparecidos. Transmutados. Transubstanciados em rostos outros, outros ventres, outros quartos decadentes, exalando outros farrapos, outros fragmentos, outros pós de amores. Quem é a faca?

Peça de um ato - esboço

Uma cama no centro do palco. Um casal, BEL e JORGE, acorda. BEL se levanta e começa a se vestir para trabalhar. JORGE desperta, esfrega os olhos e a observa em silêncio por alguns segundos. JORGE Fica aqui, Bel. Sai não. Conversa comigo. Transemos. BEL Tenho mesmo que ir. Senão, ficava. JORGE Não precisa ir, não. A gente faz um bocado de coisa pensando que tem que fazer, mas elas são só distrações do que realmente importa. E o que importa agora é você ficar aqui comigo. BEL Acordou carente hoje, hein. JORGE E você adora. Fica. Liga pro teu chefe e diz que tá doente. Que pegou peste bubônica. Ele vai te deixar em paz. BEL (ri) Já faltei semana passada. JORGE Falta essa também. É perfeito. Ele vai começar a achar que é hábito. BEL Vai é me despedir, isso sim. JORGE Ótimo. Aí a gente monta uma empresa. Vamos fabricar bicicletas. Eu monto e você vende. Aí, você vende quatro e eu te dou uma montada. BEL (ri mais) Essa foi terrível! JORGE Te fiz rir. Fica. BEL Jorge. JORGE Fic

when the music is over

Quando a música parar, onde estarei? Quando acenderem as luzes e pedirem aos convidados para que se retirem pois já amanheceu, o anfitrião está cansado e os músicos precisam se arrumar para irem, para onde irei, com quem? Caminharei à casa, tentando apagar da cabeça os vestígios do sonho? Ou seguirei à casa de quem estiver comigo, forjando cumplicidade onde não há, falseando intimidade num sussurro sorridente, beijo lento? Talvez, ainda antes do apagar das luzes e do início da festa, eu já esteja acompanhado. Talvez nós cheguemos e partamos do mesmo lugar, para o mesmo lugar. Se for este o caso, penso que iríamos a sítios desse tipo para evitarmos olhar um na cara do outro o tempo todo. Lá, seríamos forçados a fingir não-intimidade, um certo distanciamento, a fim de nos mostrarmos ao mundo como seres independentes, livres de parasitismos, pois nascemos sozinhos e morremos da mesma forma. Seríamos poderosos. Seríamos livres. Trocaríamos beijos de tempos em tempos, mas nos sentiríamos