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Mostrando postagens de junho, 2011

circo de mim

Fio-me na horrenda conclusão de que eu me basto. Recuo de terror, me engasgo, ergo o mastro, estendo o picadeiro, congregando em mim mesmo meus mágicos, minha linda equilibrista sobre o cavalo, meu mestre-de-cerimônias, meus palhaços. Repentinamente, inicio o ato e não mais me encontro. Distante da tenda, os ventos uivam para além da música, para além do carnaval e da picardia, do sorriso das crianças, da pipoca. Um deserto me assombra em torno dessa ilha de alegria. Infindas paragens. Desmonto a tenda. O circo viaja ao redor das devolutas paisagens, meninos desgarrados juntam-se à caravana, velhos trapezistas são deixados à beira da estrada. O engolidor de facas se amasia com a mulher barbada e abandonam o ato, muitos outros se intercambiam nessa nau dos insensatos, e tudo em mim. Circo de mim caminha. À noitinha, inicio o espetáculo, combatendo os holofotes a treva densa, a fanfarra contra a paz de tudo o que é morto, a algazarra dos santos beberrões

(diálogo)

(telefone no meio da noite. Ele acorda, aborrecido) - Alô. - (chorando) Oi, amor. Sou eu. - Ah. Oi. - Te acordei, né? Desculpa. Vou deixar você dormir. - Bom, agora que já acordou fala. - O quê você disse? - (suspira) Nada, amor. Pode falar. Qual foi o problema? - Eu tive um pesadelo. - Grande merda. - O quê? - Eu perguntei como foi o pesadelo. - Horrível. Foi com você. - Ah, obrigado. - Não, desculpa, eu não quis dizer que foi horrível porque foi com você. É que, no sonho, a gente terminava. - (desinteressado) É mesmo? Por quê? - Não lembro. A gente brigava porque, segundo você, eu nunca ouvia o que você tinha pra dizer. - Quanta perspicácia. - Hã? Repete amor, a ligação tá muito ruim. - Eu disse "que sonho estranho". - Pois é. Mas a gente tá bem, né? - Sim, sim. (pausa) - Sabia que te amo? - (mais aborrecido ainda) Sabia. - E você me ama? - Amor, são quatro da manhã... - Mas você me ama? - (suspira fundo) Não. - Hã? - Não. Eu não te amo. Eu não aguento mais ouvir você ron

vou te dizer

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vou te dizer que sem você eu viveria em harmonia muito bem iria pro meu sítio toda sexta à tardinha e só voltava no domingo, sem você eu continuaria dando em cima das estagiárias do escritório, ligaria pra ex e combinaria uma cervejinha na noite de quarta e o cineminha na quinta com direito a jantar com vinho e uma noite sem compromisso e a ressaca moral na sexta, dissolvida no laguinho nos fundos do sítio no sábado de manhã com as estagiárias. vou te dizer que sem você eu viveria muito bem. muito (mal mas tudo) bem.

a mariposa

Eu sigo o suspiro das ondas indecisas que vêm e que vão... costurando as marés. Esse mar é parente das vontades imprecisas, que negam e afirmam... que subsistem, porém. Mergulho o tecido das decisões cotidianas nessa água... e ele vem encharcado de dúvida. Ana, nós somos fabricados de matéria diáfana, que perpassa e dissimula... de cinza escura. Mas, Ana, não temas essa obscuridade futura, sê como a mariposa, que nada procura, que nada anseia exceto o consolo da luz. Adota o desgoverno que a incerteza induz, Abandona os campos e corre para a névoa, Lá me encontrarás à tua espera.

um isqueiro

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Um isqueiro. Alguém tem um isqueiro. Aqui o tens. Aqui está o meu isqueiro. Obrigada. É um belo isqueiro. Carrega uma história interessante, esse isqueiro. Gostaria de ouvi-la. Talvez em outra ocasião. É uma história triste. Nesse momento, tenho vontade de conversar apenas sobre assuntos alegres com a senhorita. Imagino que assuntos seriam. Não há nada de alegre lá fora, só se fala de guerra, doença e talões de racionamento. Falemos de música, então. Saturno poderá devorar seus filhos novamente, mas sempre haverá a música. Contanto que não seja a música dos canhões. Já ouviste "Night and Day". Temo que não. É um novo compacto do Cole Porter. É absolutamente fenomenal. Gosto muito do Cole Porter. Tenho a coleção completa em minha casa, ao lado de meu sistema fonográfico novo. Portátil, último tipo. Tenho certeza de que gostaria de ouvi-lo. Talvez em outra ocasião. Se gostas do Cole Porter, provavelmente já ouviu Nat King Cole, Louis Armstrong, o George Gers

antônio & francisco

- Boa noite, Francisco. - Antônio! Que surpresa. - Não vai me convidar pra entrar? - Hã? Sim, claro, entra. O que vai querer? Red Label, não é? On the rocks? - Sem gelo. Copo baixo. - Claro. Senta. Que noite, hein? Veio de táxi? - Vim andando. - Com essa chuva?! Que coragem, rapaz. Se você tivesse ligado, a gente tinha combinado um drinque. - Eu não esperava vir. - Ah. Foi uma surpresa, mesmo. Uma boa surpresa. Toma, copo baixo, sem gelo. E o Geisel, hein? - Não vim falar de política, Francisco. - Hm. A que d-devo a v-visita, então? Por um segundo, Antônio admira o fluido dourado e viscoso no interior do copo. Seu rosto está pálido e úmido, tão úmido quanto a capa pingando que deixou pendurada numa cadeira da sala de Francisco. Não sabe se da chuva ou das lágrimas. - Beber. É isso que homens fazem, não é, Francisco. - Verdade. - Homens de verdade sentam, bebem e conversam. Vão a bares ou às casas dos amigos, mas, no final, eles sentam um diante do outro, bebem uísque e falam. Nós faze
hi. my name is chet baker. i was born in Oklahoma in 1929 and died in Amsterdam in 1988, when i fell off the window of my hotel room. i am a trumpetist, and a pretty good one at that. I am also a singer, but I don´t like it as much as the trumpet, so I don´t sing so often. there´s a guy called diogo that keeps spreading rumours around, saying he´s me, but he´s lying his ass off. he´s not chet baker, i´m chet baker. i´m the only chet baker around. there may be other chet bakers i´ve never heard of, but, if you´ve ever heard about a chet baker, chances are, it was probably me.