Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2012

(diálogo)

- Passa o sal, por favor. - Toma. Tá insosso? - Não, tá bom. - Sério? - Sério. O frango tá com um gostinho diferente. - Diferente bom ou diferente ruim? - Diferente bom. - Temperei com manjericão. Que bom que você gostou. - Mas o arroz tá uma merda. - Sério?! - Haha, claro que não, sua besta. Tá bom também. - Seu bobo! Você sabe que eu não gosto quando falam mal da minha comida. - Você se preocupa demais. - Aliás. Por falar em se preocupar. A Elizete veio falar comigo hoje no escritório. - Sobre o aluguel? - É. Ela disse que talvez precise da casa no ano que vem. - O ano que vem é daqui a dois meses. Ela não podia ter falado isso antes? - Também achei. - E tá confirmado isso? - Não. Ela disse que TALVEZ precise. O filho dela vai voltar do Canadá e ela tava querendo que ele morasse aqui. - Vai voltar do Canadá com a Luiza? - Que Luiza? - A da propaganda. "Estamos todos aqui, menos a Luiza,

a origem

A mulher de Jó ainda tentou alertá-lo, mas era tarde. Os escravos do cruel feitor já o haviam tomado pelos pulsos e o arrastavam para o centro do terreiro, onde um negro mais forte os esperava com uma caixa gigantesca nas mãos, à qual os cativos chamavam “caxangá”.  De nada adiantou Jó implorar por clemência. O negro, de nome Zé Pereira, ergueu a caxangá sobre a cabeça e a jogou sobre o crânio do feitor, despedaçando-o num único golpe.  Vingados após tantas atrocidades, os negros entoaram numa única voz, seus rostos brilhando sob a chama tremulante dos archotes: “tira, bota, deixa o Zé Pereira jogar...”  Não satisfeitos, os guerreiros trouxeram do galpão uma serra de cortar madeira e fatiaram o corpo do feitor. Foi um zigue-zigue-zá danado.

a mãe chegou

- A mãe chegou. Deixem-na passar. - Jorge! Jorginho, desce daí! - Mamãe! Não! Não acredito que vocês foram buscar minha mãe! Seus filhos da puta! - Que é que cê tá fazendo aí, Jorginho? Ai, que vergonha! - Vai embora, mãe! - Vou quando você sair daí! Que vergonha. Tive que sair correndo do cabeleireiro pra cá! - Ninguém te pediu!  - Não estou ouvindo nada com esse vento todo! Repete! - Me deixa só. - Só? Já te deixei sozinho, seu malcriado! Lembra? "Mamãe, eu quero morar sozinho". "Sozinho" com sua mãe pagando o aluguel, né? Olha no que deu! Que vergonha, o bairro todo olhando pra gente! Aquela lá embaixo é a Geneci? Ai, que horror! E eu com esse cabelo! Geneci, não sou eu que está aqui! Ouviu? Eu não sou eu! - Por favor, senhora, peça pro seu filho entrar. - Deixa ele aí, seu guarda. Se é isso que ele quer, deixa. Já desisti desse menino. Puxou demais ao pai, é um frouxo, diz que vai fazer as coisas mas não faz. É triste dizer essas coisas

cão procura dono

Procuro meu dono, um homem alto, cabelo claro, voz aguda e cheiro adocicado. Quando abre a boca, porém, o cheiro é de lixo molhado. Perdi meu dono há três dias, no parque grande perto do rio. Ele jogava uma bola de borracha para que eu pegasse com a boca e a trouxesse de volta, como costumamos fazer todos os domingos. Nunca soube qual a graça que isso tem pra ele, mas eu me divirto. Numa dessas vezes, fui buscar a bola e me deparei com uma linda cadelinha passeando com a dona. Tentei cheirar seu rabo e ver se tirava a barriga da miséria, mas a dona me enxotou aos pontapés. Quando voltei, meu dono tinha sumido. Deve ter achado que eu havia perdido a memória e esquecido de voltar. Vocês sabem como os humanos são idiotas. Quem encontrar meu dono, favor latir três vezes na frente da caçamba de lixo ao lado da casa rosa detrás da rua que faz muito barulho. Chamar por Hulk. Ofereço uma coxa de frango e a cabeça de uma boneca como recompensa.

22 de novembro

- Você é um chato que escreve coisas pretensiosas que ninguém lê, que não sabe se vestir ou falar em público, que demora três meses pra ler um livro, que finge erudição quando não a tem... Pronto, hoje é dia do super-ego de novo.
‎- Olá! - Hã... oi. Desculpa, te conheço? - Sou o almoço que você ficou de marcar com sua amiga. - Putz! Faz tempo. - Pois é, seu safadinho. Ela ainda tá esperando você ligar. - É verdade. Mas um dia eu marco. Marco sim. - Marca porra nenhuma. Tá dizendo isso há dois meses. - Ando muito ocupado. - Deixa de firula. Porque não chama ela um dia desses? É vergonha? - Não, é preguiça, só. - Amigo não se acha no chão, hein. Ela gosta de você. - Eu sei. Também gosto dela. É desatenção, sabe. - Vão comer uma pizza.