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Mostrando postagens de agosto, 2015

nunca

- Dá licença, seu Diretor. - Felipe! Senta, senta. Obrigado por ter vindo tão rápido. - O Sepúlveda disse que o senhor queria me ver. - Sim, rapaz. Olha, é coisa meio chata. Fiquei sabendo pelo pessoal que você não quer cooperar com o esquema. - Que esquema? - Tsc, você sabe. O das licenças. - Ah. Pois é, seu Diretor, não quero mesmo. - Mas por quê, meu filho? Qual o problema? É a sua parte, é isso? Achou pouco? - Não, senhor. Só não acho certo. - E o que é que não está certo, meu querido? A sua participação é a mais simples que tem. É só assinar o protocolo de autorização da licença e pronto. Não tem que fazer mais nada. - Mas é um protocolo falso, Diretor. - Falso? Quem disse que é falso? Tem minha assinatura lá, meu carimbo! Isso é falso, por acaso? Minha assinatura é falsa? - Não, senhor. Mas o protocolo não foi registrado pelo sistema. Aí, a licença não existe. Tá errado. - Tsc... você se preocupa demais, meu filho. Estou dizendo que está tudo certo. - Não dá, Dire

história antiga

A parábola é antiga, mas as boas lições não morrem nunca: Um dia, na Antiga Índia, um rei resolveu demonstrar como os homens podem ter opiniões radicalmente diferentes sobre a mesma coisa. Convocou seis homens e os ordenou a permanecer num quarto completamente escuro. No centro do aposento estava um elefante. Os homens foram instruídos a adivinhar, apenas através do tato, o que estava no quarto. Um dos homens apalpou a cauda do animal e declarou: "isto é um elefante." Outro homem tocou as orelhas de abano e sentenciou: "sim, isto é um elefante." O terceiro tocou a pata do animal e disse: "certamente é um elefante." O quarto homem encostou nas presas de marfim e afirmou: "não há dúvida de que isto é um elefante" Não sei contar a história.

os dias

é bom se acostumar há dias que não nasceram para nos salvar, para mudarmos o mundo, para nos mudar, para nos redimir. Há, sim, dias para a enxaqueca, para pagar a conta de luz, para levar o filho na festa do coleguinha, para passar a camisa a ferro, para se enojar com o que sai no jornal, para tirar catota. Estes dias são muito, mas muito mais numerosos do que aqueles dias, até porque, hoje em dia, ninguém mais se redime.

Resenha: "Guerra e Paz"

  Acho que foi Edmund Hillary, o primeiro ocidental a escalar o Everest, que proferiu aquela frase fantástica ao responder a um jornalista que lhe perguntou qual a razão que o impelira a galgar o teto do mundo: "por que está lá"(*). Além de ingenuidade, há muita sabedoria nessa resposta. Por vezes, abraçamos o desafio à nossa frente pelo único motivo de que ele existe, sem que haja alguma causa transcendental que guie nossas ações. Reduzindo em muitos metros o meu Everest, resolvi ler a obra-prima de Leon Tolstói, o colossal "Guerra e Paz". Por quê? Por que ele estava lá, ora essa.  Iniciar a tarefa exigiu uma boa dose de ingenuidade. Trata-se de um daqueles livros sobre o qual muitos falam mas poucos lêem, um dos bastiões do romance russo - quiçá do Ocidente - no século dezenove. Como outros romances russos - "Crime e Castigo" e "Doutor Jivago" vêm à mente -, "Guerra e Paz" é acusado de apresentar uma infinidade de personagens e um

b

- Ô rapaz! Você por aqui! - Há quanto tempo! Dê cá esses ossos! Onde anda você, ainda tá lá na... na... tsc, escapou o nome... - Na empresa? Que nada, meu querido, saí faz dois anos, passei no concurso da Receita. - Fantástico! - E você? Ainda ensinando na Universidade? - Hã? Não, meu velho, acho que você confundiu... tenho uma empresa própria, lembra? - Desculpe, claro que lembro. Você sabe, é a correria... e os filhotes? - Estão ótimos, imensos! E os teus? O Henrique deve estar prestando vestibular, não? - Hm... não, querido, você misturou as bolas. Não tenho filhos. - Ah... bem... desculpe. É a velhice, ha ha... - ... - E a Maristela? Como anda? - Que Maristela? - Como assim, que Maristela? A sua esposa, oras! - Que Maristela o quê, tá me estranhando, Rubens? Não conheço nenhuma Maristela! - E eu não sou Rubens! Vem cá, você não é o Diogo? - Que Diogo nem meio Diogo, meu nome é Zeno! - Ih, estou com a impressão que a gente não se conhece. - É, acho que não. - Que

n

O universo suava ansiedade dentro do Eurico's: os garçons já não olhavam para quem serviam os pratos, os comensais já não reparavam na comida que lhes era servida, o flanelinha do outro lado da vitrina, o maître de fraque, a hostess, a chef, ninguém olhava para coisa alguma que não fosse a mesa no extremo esquerdo do restaurante, o jovem elegantíssimo de joelhos diante da moça, elegantíssima, a salada de aspargos intocada na mesa, a taça de champanhe com a aliança de ouro branco ao fundo, os violinistas a postos para o concerto improvisado e ela, extasiada, a aguardar as palavras imortais que ele pronunciaria, palavras que estabeleceriam o marco de sua existência dali adiante, que ecoariam pelas galáxias até muito depois de sua alma ter deixado este mundo: a) Tem wi-fi? b) Gol da Alemanha! c) na boca é mais caro. d) vamos pra rua! impeachment! e) tenho nada com isso.