Peça de um ato - esboço



Uma cama no centro do palco. Um casal, BEL e JORGE, acorda. BEL se levanta e começa a se vestir para trabalhar. JORGE desperta, esfrega os olhos e a observa em silêncio por alguns segundos.

JORGE
Fica aqui, Bel. Sai não. Conversa comigo. Transemos.

BEL
Tenho mesmo que ir. Senão, ficava.

JORGE
Não precisa ir, não. A gente faz um bocado de coisa pensando que tem que fazer, mas elas são só distrações do que realmente importa. E o que importa agora é você ficar aqui comigo.

BEL
Acordou carente hoje, hein.

JORGE
E você adora. Fica. Liga pro teu chefe e diz que tá doente. Que pegou peste bubônica. Ele vai te deixar em paz.

BEL
(ri) Já faltei semana passada.

JORGE
Falta essa também. É perfeito. Ele vai começar a achar que é hábito.

BEL
Vai é me despedir, isso sim.

JORGE
Ótimo. Aí a gente monta uma empresa. Vamos fabricar bicicletas. Eu monto e você vende. Aí, você vende quatro e eu te dou uma montada.

BEL
(ri mais) Essa foi terrível!

JORGE
Te fiz rir. Fica.

BEL
Jorge.

JORGE
Fica ou nunca mais te faço rir de novo.

BEL
(sorrindo) Impossível.

JORGE
Olha que eu viro o palhaço triste. Aquele que todo mundo sente pena.

BEL
Não dá, Jorge. Pra você é fácil, pode ficar o dia todo na cama. Mas alguém tem que pagar o leitinho que você toma de manhã. Senão, ó o leitinho, tchau-tchau.

 
JORGE
Não vou contar nem mais uma piada nunca mais.

BEL
(para a platéia) Era mais fácil pra você, né mãe? Não precisava se levantar às seis. Aliás, era você que ficava na cama a manhã toda. Depois dava duas ordens pra empregada e ia encontrar as amigas na loja.

JORGE
Você adora quando te faço rir. Tenho certeza que casou comigo só por conta disso.

BEL
E quando seu marido meu pai se portava como uma criança inconsequente – egoísta, com desejos que precisavam ser satisfeitos ali e naquele momento -, você podia se dar ao luxo de olhar pra ele com seus lindos olhos sem olheiras e dar a ele o que ele queria.

JORGE
Toda mulher gosta de ter um palhaço ao lado.

BEL
Mas eu tenho muitas olheiras e muito menos paciência que você, mãe.

JORGE
Hoje em dia, você é a única que ri das minhas piadinhas. Não sei se é por hábito ou porque realmente acha elas engraçadas.

BEL
Sinceramente, achei que poderia receber a medida exata do eu que dava. Mas, pouco a pouco, percebi que tinha que me contentar em sempre ser o elo fraco nessa história.

JORGE
Não ligo. Gosto de ouvir você rir.

BEL
Eu ainda dou a ele o que ele quer, mãe. Só resmungo mais e me levanto mais cedo que você, mas no fundo é a quase a mesma coisa.

JORGE
Eu te amo, Bel.

BEL
Isso é medo, Jorge.

JORGE
Hã?

BEL
Nada. Também te amo. (termina de abotoar a blusa.) Tenho que ir, já disse.

JORGE
(faz um muxoxo) Então pelo menos embala meus pés?

Ela envolve os pés dele no lençol.

JORGE
Você está com uma cara de documentário da National Geographic. Por quê?

BEL
Por nada, amor. Sono.

JORGE
Então bom dia pra você. Vou tirar um cochilo.

BEL
Isso. Dorme. E não acorde nunca mais.

JORGE
Como?

BEL
Dorme bem, amor.

JORGE
(apontando a própria boca) Beijo.

Ela o beija e sai de cena. Ele volta a dormir.


Comentários

  1. Adorei!!! Quero filmar isso aí, fazendo o papel de mim mesmo! Abraço, Jorge!

    ResponderExcluir
  2. Adoro seus textos, Diogo. Esse também é muito bom, hehehe! Abraços.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A educação pela pedra

. . .

o campeão