a mãe chegou


- A mãe chegou. Deixem-na passar.
- Jorge! Jorginho, desce daí!
- Mamãe! Não! Não acredito que vocês foram buscar minha mãe! Seus filhos da puta!
- Que é que cê tá fazendo aí, Jorginho? Ai, que vergonha!
- Vai embora, mãe!
- Vou quando você sair daí! Que vergonha. Tive que sair correndo do cabeleireiro pra cá!
- Ninguém te pediu! 
- Não estou ouvindo nada com esse vento todo! Repete!
- Me deixa só.
- Só? Já te deixei sozinho, seu malcriado! Lembra? "Mamãe, eu quero morar sozinho". "Sozinho" com sua mãe pagando o aluguel, né? Olha no que deu! Que vergonha, o bairro todo olhando pra gente! Aquela lá embaixo é a Geneci? Ai, que horror! E eu com esse cabelo! Geneci, não sou eu que está aqui! Ouviu? Eu não sou eu!
- Por favor, senhora, peça pro seu filho entrar.
- Deixa ele aí, seu guarda. Se é isso que ele quer, deixa. Já desisti desse menino. Puxou demais ao pai, é um frouxo, diz que vai fazer as coisas mas não faz. É triste dizer essas coisas sobre o próprio filho, mas aí está.
- Eu tô deprimido, mãe. Tô doente!
- Deprimido, sim. Deprimido! Isso é preguiça. Imagina, eu acordar às cinco da manhã pra trabalhar e pagar seu aluguel, sua casa, sua comida, e me virar um belo dia pro chefe e dizer, "olha, desculpa mas hoje não vai dar, tô deprimida". Ia pra rua na hora! E aí, adeus pro seu Playstation, pro seu aiFone, aiPódi, aiNão sei o quê, pro seu sonho de morar sozinho!
- Eu sou uma alma sensível! Preciso de paz pra trabalhar!
- Trabalho é enxada na mão, meu filho. Não esses bonequinhos que você fica desenhando o dia inteiro no computador.
- Animação, mãe! Eu trabalho com cinema de ANIMAÇÃO!
- Vai pra uma roça, Jorginho. Levanta uma parede. Isso o que você faz é bonequinho!
- É uma arte! Já tem até um Oscar pra isso! Por que é que a senhora não me ENTENDE?
- Ela já conseguiu fazer com que o rapaz desça?
- Ainda não, tenente.
- Eu não posso viver de arte mas você pode gastar seu dinheiro com o cabelo, né? Com essa sociedade de consumo podre! Nesse lamaçal de mediocridade!
- Agora rochou! Trabalhei a vida inteira, não posso passar uma horinha no cabelereiro pra ficar bonita? O dinheiro é meu, gasto como quero.
- Fico dias a fio trancado sozinho neste apartamento! Sou uma alma sensível! Me deprimo com facilidade!
- Vai trabalhar!
- Eu vou pular!
- Pula uma ova, menino. Te conheço. Igualzinho ao seu pai, que Deus o tenha. Ele era um preguiçoso, e você também.
- Ah, é? 

(pula)

- Pulou! Pulou!
- Pulou! Jorginho pulou!
- Caiu em cima da Geneci! Coitada!
- Meu filho! Jorginho! Você pulou! Cumpriu a palavra! Cumpriu a promessa... Milagre! Deixou de ser um frouxo, um vagabundo inútil agarrado às saias da mãe! Venceu seu pai! Ah, meu filho, quanto orgulho tenho de você! Que lindo! O senhor viu, seu guarda? Parecia um passarinho!


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