1001 Filmes: de 192 a 220

192) "A festa de Babette" ("Babettes gæstebud", 1987)

Aparentemente, este drama dinamarquês consta de uma lista de filmes recomendados pelo Vaticano, o que dá uma boa indicação da falta de controvérsia que o rodeia. Leve, sensível, delicado, um Bergman "light", se dá pra descrevê-lo assim, "A festa de Babette" é ideal para assistir com a avó numa tarde de domingo. Não que seja ruim. O clímax do filme, em que uma governanta francesa numa aldeia perdida na Dinamarca prepara um festim para um bando de provincianos chatos, é um belo exercício sobre como retratar a comida e o ato de comer na tela (filmes sobre comida, aliás, deveriam ser um gênero cinematográfico à parte). Às vezes, dá vontade de dar um tapa na cara de algum dos personagens para incitar reações um pouco mais sanguíneas. Mas é um filme bonito, sobre família e amizade, que não insulta ninguém.


193) "A invenção de Hugo Cabret" ("Hugo", 2011)

Eu queria ter gostado mais deste. Único título da filmografia de Martin Scorsese desprovido de mortes violentas de gângsteres e/ou paisagens exóticas, "Hugo" traz o grande diretor ítalo-americano navegando pelos mares desconhecidos do cinema infantil. Como um dos diretores vivos mais tarimbados, faz um bom trabalho. A história do menino que vive dentro de uma estação de trem na Paris dos anos 30 funciona como uma metáfora da paixão pelo cinema, e a participação de Ben Kingsley como George Meliès é sempre bem-vinda. Infelizmente, a historinha é leve levinha, fora de compasso com o trabalho de câmera sempre exuberante de Scorsese. Talvez Marty tenha se empolgado em fazer um filme 3-D para seus netos. De qualquer maneira, "Hugo" é legal, mas uma obra menor.


194) "O guarda" ("The bank dick", 1940) - coleção de esquetes com o humor do comediante W. C. Fields que só espectadores dos anos 30 entenderão completamente.

195) "O evangelho segundo São Mateus" ("Il vangelo secondo Matteo", 1964) - corajosa releitura de Pasolini para a história de Jesus, resgatando o papel revolucionário do messias cristão diante das injustiças terrenas.

196) "Honrarás tua mãe" ("Mother India", 1957) - clássico de Bollywood, dramalhão perfeito para passar no Dias das Mães conta a história de uma mãe que literalmente carrega a Índia nas costas.

197) "O escafandro e a borboleta" ("Le scaphandre et le papillon", 2007) - raro caso de drama comovente que não descamba pro sensacionalismo, narra a história de um editor que, depois de um acidente, só conta com o movimento dos olhos para se comunicar com o mundo.

198) "Balada sangrenta" ("The harder they come", 1972) - o filme poderia ter ficado conhecido apenas por ter uma das melhores trilhas sonoras do cinema - embalada pelo reggae contagiante de Jimmy Cliff, que também protagoniza o filme -, mas a produção jamaicana  também prende a atenção pelo retrato cru do gueto de Kingston.

199) "O mistério de Candyman" ("Candyman", 1992) - terror "cult" que gerou várias continuações e, em breve, um remake, mas que, apesar da boa interpretação de Tony Todd e de lidar com subtemas pouco usuais para o gênero, como a escravidão, não merece a fama que tem.

200) "O dinheiro" ("L'argent", 1983) - trabalho tardio do mestre Robert Bresson, não tem a genialidade de "Um condenado à morte escapou" (1956) e "O burro Baltazar" (1966), mas ainda traz a visão arguta bressoniana sobre as relações sociais no mundo atual.

201) "Delírio de loucura" ("Bigger than life", 1956) - apesar de dirigido por Nicholas Ray, a quem todos os mestres do cinema pagam o maior pau, achei ridículo este drama bizarro sobre um professor (James Mason) que se vicia numa droga experimental.

202) "Garotos de programa" ("My own private Idaho", 1991) - drama bonito mas com os tiques do cinema independente dos anos 90 - cenas desconjuntadas, personagens etéreos e mal construídos, etc. - sobre gigolôs no lado B da estrada americana.

203) "Johnny Guitar" (1954) - apesar do título, este western dirigido por Nicholas Ray não pertence ao personagem interpretado por Sterling Hayden, mas sim a Joan Crawford, uma força da natureza dentro e fora da tela (conta a lenda que ela, como maior nome do elenco, brigou com Deus e o mundo pra aumentar seu tempo no filme).

204) "Lantana" (2001) - muito bom drama australiano, feito pra gente grande e com excelente elenco (Anthony LaPaglia, Geoffrey Rush, Kerry Armstrong e Barbara Hershey, entre outros), que parece um "Short Cuts" filmado em Sydney (no bom sentido).

205) "A mulher da areia" ("Suna no onna", 1964) - interessante filme experimental da "Nouvelle Vague" japonesa, sobre o cenário de pesadelo de um entomologista que acaba preso como um de seus insetos ao se meter com uma mulher que vive dentro de um buraco de areia movediça.

206) "Carta de uma desconhecida" ("Letter from an unknown woman", 1948) - adaptado de um livro de Stefan Zweig, que viveu vários anos no Brasil, este é um belo drama romântico à moda antiga, com grande interpretação de Joan Fontaine como uma mulher que passa décadas sofrendo de uma paixão platônica por um pianista (Louis Jourdan).

207) "Nasce uma estrela" ("A star is born", 2018) - contra todos os prognósticos, esta quarta (ou quinta) refilmagem da mesma história de um músico decadente que se apaixona por uma cantora em ascensão é uma excelente estréia como diretor do ator meia-boca Bradley Cooper, boas interpretações dele e de Sam Elliott, mas o show é quase todo de Lady Gaga, excelente como atriz e cantora.

208) "Cleo das 5 às 7" ("Cléo de 5 à 7", 1962) - prenunciando em décadas temas como o contraste entre o tempo fílmico e o tempo real, "Cléo..." é o excelente filme de estréia de Agnès Varda, um estudo de personagem sobre uma cantora que crê que morrerá em breve e que merecia figurar entre outros clássicos da primeira fase da "Nouvelle Vague", como "Acossado" e "Os incompreendidos".

209) "Primavera numa pequena cidade" ("Xiao cheng zhi chun", 1948) - um grande achado do cinema chinês pré-era comunista, trata-se de uma história absolutamente banal (dona de casa numa cidadezinha rural chinesa reencontra um antigo namorado) filmada de maneira absolutamente cativante, com excelentes atuações e uma direção segura. Filme que deveria ser obrigatório para todo mundo que gosta de cinema.

210) "Um toque de pecado" ("Tian zhu ding", 2013) - um bom estudo, ainda que irregular, sobre a China do século XXI e a violência subjacente na nova ética capitalista país; dirigido por Jia Zhangke, um dos mais destacados cineastas chineses da atualidade.

211) "Vozes distantes" ("Distant voices, still lives", 1988) - filme "solto", no bom sentido, dirigido e roteirizado por Terence Davies, cineasta inglês de filmes autorais, narra de forma não-linear a trajetória de uma família de baixa renda e a influência de seu patriarca autoritário (Pete Postlethwaite). 

212) "A carruagem de ouro" ("Le carrosse d´or", 1952) - produção maneirista do período tardio de Jean Renoir, um dos grandes mestres franceses, narra, de forma teatral mas simpática, a vinda de uma trupe italiana à América colonial espanhola, e o envolvimento da atriz da companhia (a sempre magnífica Anna Magnani) com três brutamontes locais.

213) "A rotina tem seu encanto" ("Sanma no aji", 1962) - último filme do último dos grandes diretores japoneses, Yasujiro Ozu, que, com sua costumeira sensibilidade, dá mais uma contribuição ao conflito de gerações entre um pai idoso (Ryu Chishu, de "Uma história de Tóquio", 1954) que quer casar sua filha (Shima Iwashita) antes de sair de casa.

214) "Wavelength" (1967) - um dos poucos mas interessantes curtas experimentais na lista dos "1001 Filmes", este filme influente de Michael Snow mostra um "travelling" lentíssimo de 45 minutos através de uma sala, exibindo variações cromáticas e sonoras, cenas brevíssimas de ficção e trechos de "Strawberry field forever", numa combinação bizarra porém instigante.

215) "Report" (1967) - curta dirigido por Bruce Conner com trechos de reportagens sobre o assassinato de John Kennedy em 1963, prenunciando o uso experimental de justaposições e montagem simbólica por muitos anos.

216) "Scorpio rising" (1963) - um dos diretores mais provocadores do século XX, Kenneth Anger fez este filme-videoclipe (com várias músicas de bandas conhecidas da época) misturando a estética de uma gangue de motoqueiros gays com temas cristãos e nazistas, numa mistura pós-moderna bem interessante.

217) "W. R. - Mistérios do organismo" ("W.R. - Misterije organizma", 1971) - um retrato da época em que foi lançado, no auge da contracultura nos EUA, "W. R." é um ensaio/colagem de documentário sobre Wilhelm Reich, terapeuta cujos estudos sobre a sexualidade causaram grande polêmica nos EUA, o país das polêmicas, assim como trechos de uma ficção sobre um triângulo amoroso na Iugoslávia comunista. A mistura é bombástica mas, de algum modo, acaba funcionando.

218) "A orgia da morte" ("The masque of red death", 1964) - conhecida como uma das melhores adaptações feitas por Roger Corman, o mestre dos filmes B, dos contos de Edgar Allan Poe, a produção de fato apresenta um bom roteiro que libera Vincent Price para destilar sua maldade como um príncipe renascentista que trata sadicamente seus súditos. Bom tratamento da morte e do terror, com ao menos uma sequência, a do baile final, que merece figurar em qualquer antologia do cinema de terror;

219) "A casa dos maus espíritos" ("House on Haunted Hill", 1959) - produção de William Castle, uma espécie de mistura de Hitchcock com Roger Corman ao criar filmes baratos e populares de terror com algum elemento sensacionalista (como exibir um esqueleto ao vivo durante a projeção). Apesar de ter zero pretensão artística, o filme é divertido como uma gincana,  girando em torno da premissa de um milionário (Vincent Price, claro), que desafia um grupo de convidados a permanecerem uma noite em sua mansão mal-assombrada em troca de dez mil dólares. Os sustos podem parecer ingênuos para os olhos atuais, mas, visto de luz apagada, ainda é um bom passatempo.

220) "Atirem no pianista" ("Tirez sur le pianiste", 1960) - segundo longa de François Truffaut, é um pastiche do cinema noir americano (como quase toda a primeira fase da Nouvelle Vague), com o cantor Charles Aznavour fazendo um pianista tímido que se mete com mafiosos. Apesar de não se comparar com a estréia de Truffaut ("Os incompreendidos", 1959), é um bom filme com bons personagens.


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