1001 filmes: de 64 a 68



64) “Grandes esperanças” (“Great expectations”, 1946)

Dramalhão caro de época, o filme poderia ter resvalado no sentimentalismo monótono se não fosse o talento de David Lean, recém-saído do intimista “Desencanto” (“Brief encounter”, 1945). Desde a cena de abertura, com o jovem Pip correndo em contraluz no campo onde mora, até as cenas no interior de uma mansão decrépita, vê-se que a fotografia de Lean está à frente de seu tempo. A adaptação também está à altura, recontando a clássica história de Charles Dickens (refilmada em 1998 pelo oscarizado Alfonso Cuarón) do menino pobre que se apaixona pela menina rica e tem uma chance de mudar de vida. Lean conduz o enredo com elegância e paixão pelo material - não à toa, seu projeto seguinte seria adaptar  outro clássico de Dickens, “Oliver Twist” (1948).



65) “A criada” (“Ah-ga-ssi”, 2016)

Tal como “Império dos sentidos” (1976), o erotismo é a força motriz deste excelente título coreano, dirigido pelo melhor diretor de sua geração, Chan-wook Park (“Oldboy”). E, como em qualquer jogo sexual, há uma série de outros temas em jogo, como submissão, troca de identidades, curiosidade e um toque de crueldade. Mas a antecipação do ato sexual - quando não o ato em si - está sempre presente, como nas melhores obras eróticas. O roteiro inova ao apresentar um “twist” importante no meio do filme, capaz de surpreender o espectador mais calejado. O trio de atores principais está impecável - destacando a dupla de atrizes, Min-hee Kim e Tae-ri Kim -, a câmera de Park é precisa e elegante… “A criada” é um daqueles filmes que justificam a invenção do cinematógrafo.



66) “Os cinco venenos de Shaolin” (“Wu du”, 1978)

Divertida fantasia chinesa de artes marciais, o filme se desenrola como um videogame, com o herói recebendo a missão de derrotar cinco vilões que possuem diferentes estilos de luta. Os vilões tem nomes como “Serpente”, “Sapo” e “Lagarto”, refletindo seus estilos. O roteiro é simples, conduzindo a história para as exuberantes cenas de ação que caracterizaram a era de ouro dos filmes de artes marciais de Hong Kong nos anos 70. Excelente passatempo, “Os cinco venenos…” é uma das óbvias inspirações do “Kill Bill” (2003) de Tarantino, que reapresentou os filmes de kung fu de baixo orçamento ao grande público.



67) “Daqui a cem anos” (“Things to come”, 1936)

Falar de ficção científica é sempre polêmico. Há os aficcionados, que tratam os grandes autores do gênero como Isaac Asimov e Philip K. Dick como cânone, e há o grande público, que normalmente não liga muito para filmes de robôs e viagens interestelares caso estes não venham travestidos de outro gênero, como ação (“Blade Runner”) ou terror (“Alien”), por exemplo. 

“Daqui a cem anos” é um caso à parte. Adaptado de um livro do pai fundador da ficção científica moderna, H. G. Wells (“O homem invisível”, “A máquina do tempo”), o filme pertence mais ao gênero especulativo, como o “1984” orwelliano, em que a condução da trama e a profundidade dos personagens não importam tanto quanto a capacidade do autor de provocar nossa imaginação para pensar em possíveis futuros para a humanidade. É como se se tratasse do folheto de uma feira de ciências.

O filme se desenrola em três partes, iniciando-se com um conflito que quase dizima a população mundial (prevendo, com anos de antecedência, a eclosão da Segunda Guerra Mundial e o uso de armas de destruição em massa), seguido de um período semi-medieval, marcado por epidemias e guerras feudais. Avançando cem anos no futuro, desenvolve-se uma civilização “superior”, pacífica, dedicada à exploração espacial e ao embelezamento das cidades. Trata-se de uma visão arrojada para a época (década de 30), antes do Sputnik, da bomba atômica e da penicilina. Parece um pouco datado hoje - especialmente o discurso grandiloquente de alguns personagens -, mas, contando com bons efeitos especiais e a mente febril de Wells por trás do roteiro, “Daqui a cem anos” merece na filmografia clássica de ficção científica. 




68) “Capitão Blood” (“Captain Blood”, 1935)

Longe de mim desmerecer uma boa aventura de piratas. Nouvelle Vague e filmes asiáticos de arte à parte, um bom filme de capa e espada pode ter maior mérito que uma obra arrastada em preto e branco com cinco horas de duração. Nesse sentido, é impossível terminar de ver “Capitão Blood” e não sonhar com uma vida no mar, em meio a combates ferozes com outros navios em busca de dobrões de ouro. Nunca se deve subestimar o poder do cinema de provocar nossos sonhos.

Errol Flynn, o sorridente ídolo das matinês nos anos 30 e 40 (seu melhor personagem seria Robin Hood, na clássica produção de 1938), interpreta aqui Blood, médico inglês condenado a servir como escravo na Jamaica no século XVII. Após algumas peripécias, Blood acaba na vida de pirataria enquanto cultiva um romance com a dondoca vivida por Olivia de Havilland (dupla de Flynn em outros filmes). 

Há elementos preocupantes no filme, como a completa superficialidade da personagem feminina e o fato de que praticamente não se veem escravos negros no Caribe (é o Caribe, pelo amor de Deus). Infelizmente, eram as convenções do cinema da época. Para quem consegue evitar as discussões identitárias que o filme suscita, “Capitão Blood” é um convite à aventura escapista, com direito a luta de espada entre Flynn e Basil Rathbone (que depois ficaria famoso como intérprete de Sherlock Holmes) e a abordagem apoteótica de um navio pirata contra um galeão inglês. Tudo dirigido por Michael Curtiz, que em 1942 lançaria outra aventura numa terra exótica, um pequeno filme chamado “Casablanca”.



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