1001 Filmes: de 74 a 78
74) "A morte num beijo" ("Kiss me
deadly", 1955)
O detetive casca-grossa Mike Hammer (!) se vê enrolado numa trama com loiras misteriosas, assassinos de cara feia e um treco cobiçado por muitos mas que ninguém parece saber o que é. Morte, traição e suspense... parece revistinha policial de banca de revista, né? Não à toa: o roteiro de "A morte num beijo" foi adaptado de uma "pulp fiction" (as tais revistinhas) de Mickey Spillane, um mestre da narrativa barata. A narrativa "noir pé na porta" funciona aqui muito bem, com personagens unidimensionais, violentos e sem sutileza nenhuma. Diverte bastante. Ponto para Robert Aldrich, diretor que depois faria "O que aconteceu a Baby Jane?" (1962) e "Os doze condenados" (1967), dois filmes igualmente instigantes e povoados de personagens caricatos.
75) "Ser ou não ser" ("To be or
not to be", 1942)
Comédia clássica do grande Ernst Lubitsch, cineasta alemão radicado nos EUA. O diretor ficou conhecido por suas comédias sofisticadas, dotadas de excelentes atuações e crítica social. Grande exemplo anterior é "Ninotchka" (1939), em que Lubitsch brinca com a tensão entre comunismo e capitalismo, ao filmar Greta Garbo como uma russa comunista que se apaixone por um aristocrata francês. Em "Ser ou não ser", o diretor volta a satirizar o cenário internacional, desta vez ridicularizando a Alemanha nazista. Uma trupe de teatro que monta uma peça sobre o nazismo se vê diante da invasão nazista da Polônia, em 1939. A linha entre o teatro e a realidade é quebrada constantemente no excelente roteiro de Melchior Lengyel (autor da história original) e Edwin Justus Mayer. O elenco é excelente, com destaque para o casal principal, interpretado pelo comediante Jack Benny e a atriz Carole Lombard, destaque em "Irene, a teimosa" (resenhado aqui) e que infelizmente morreu num desastre de avião pouco após as filmagens de "Ser ou não ser", aos 33 anos.
76) "Céline e Julie vão de barco" ("Céline et Julie vont en bateau", 1974)
Apesar de não ser tão conhecido como Godard, Truffaut ou Rohmer, Jacques Rivette (1928-2016) foi uma estrela de primeira grandeza da Nouvelle Vague, conhecido como um criador excêntrico e ousado do cinema. Confesso que o primeiro filme dele que vi foi este, mas certamente não será o último. Filmado na linha do cinema experimental, trata-se de um filme brincalhão, sem compromisso com as convenções do cinema comercial. Desde a duração extensa (3h13 de projeção) à apresentação inusitada as duas personagens principais, o filme seria o equivalente cinematográfico de uma "colagem", com situações fortemente simbólicas, desconectadas de fio narrativo comum. No fiapo de enredo, as duas moças do título entram em contato com uma realidade paralela dentro de uma mansão, e devem resolver um mistério ao mesmo tempo em que trocam de papel incessantemente entre elas. O filme lembra o igualmente criativo "As pequenas margaridas" (de 1966, resenhado aqui), no sentido de oferecer um retrato surrealista do universo feminino, reinterpretando convenções como o melodrama televisivo e o papel de vítima indefesa de boa parte das personagens femininas do cinema e da TV. "Céline e Julie vão de barco" é enigmático, simbólico, um pedaço estranho e fascinante de cinema, ainda que por vezes um pouco entediante.
77) "Viridiana" (1961)
Luis Buñuel é provavelmente meu cineasta favorito. Ninguém como ele filmou o inconsciente com tanta verve, com tanto inconformismo sobre nossa patética condição humana. Aqui, porém, o diretor ainda não era o Buñuel genial de "Bela da tarde" (1965) e "O discreto charme da burguesia" (1972). No início dos anos 60, o diretor ainda se filiava a um certo estilo neorealista, melhor visto em "Os esquecidos" (1950). Ainda assim, creio que "Viridiana" - que chocou o regime franquista, e com toda razão - pode ser visto como um ponto de virada na carreira do diretor, onde ele começa a mostrar suas taras e obsessões com maior clareza.
Uma jovem noviça (Silvia Pinal) é cobiçada por seu tio (Fernando Rey) e por um desconhecido (Francisco Rabal), num jogo em que Buñuel condena a religião e a moral burguesa, usando de muito simbolismo. A melhor sequência é o banquete dos mendigos, quando a tentativa da noviça de praticar a caridade cristã explode na sua cara. Um filme muito bom, que ensaia a genialidade buñueliana que começaria a irromper com força em sua obra imediatamente posterior, o inesquecível "O anjo exterminador" (1962).
Uma jovem noviça (Silvia Pinal) é cobiçada por seu tio (Fernando Rey) e por um desconhecido (Francisco Rabal), num jogo em que Buñuel condena a religião e a moral burguesa, usando de muito simbolismo. A melhor sequência é o banquete dos mendigos, quando a tentativa da noviça de praticar a caridade cristã explode na sua cara. Um filme muito bom, que ensaia a genialidade buñueliana que começaria a irromper com força em sua obra imediatamente posterior, o inesquecível "O anjo exterminador" (1962).
78) "Vermelhos e brancos" ("Csillagosok, katonák", 1967)
Um filme raro. Ambientado na guerra civil russa (1918-1921) entre bolcheviques e mencheviques (identificados como "vermelhos" e "brancos"), esta produção húngara tem poucos personagens e quase nenhum deles é nomeado. Situações se sucedem, como uma perseguição a cavalo ou o fuzilamento de soldados inimigos à beira de um rio, sem que estes acontecimentos tenham maior importância no andamento da história. Um castelo em poder dos brancos é tomado pelos bolcheviques, apenas para ser retomado pelos brancos novamente, com todos os grupos cometendo crimes de guerra indiscriminadamente. É como se o diretor Miklós Jancsó estivesse nos mostrando, de camarote, o absurdo e o vazio da guerra. Lembra o russo "Vá e veja" (1985) na mesma capacidade de nos fazer testemunhas hipnotizadas do horror do conflito armado, de nos perdermos num mar de insensibilidade e aleatoriedade.
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