1001 Filmes: de 139 a 143


139) "A ceia dos acusados" ("The thin man", 1934)

Comédia e filme "noir" são dois gêneros que normalmente não se misturam, com exceção do impagável "Cliente morto não paga" (mas esse é um pastiche). "A ceia dos acusados", porém, conseguiu produzir esse filho estranho, e foi tão bem-sucedido que rendeu cinco continuações. O "homem magro" do título original é um cientista que desaparece, e o detetive Nick Charles (William Powell) é contratado para encontrá-lo. Juntamente com sua esposa, Nora (Myrna Loy), Nick vive aventuras típicas das novelas de detetive dos anos 30 e 40: identidades trocadas, tipos durões e um longo elenco de suspeitos. Não à toa, pois o roteiro é adaptado de um livro de um dos papas do "noir", Dashiell Hammett. As piadas são boas e a química entre Powell e Loy é perfeita. O tom rápido e sarcástico torna o filme um bom exemplo das comédias "oddball" dos anos 30 - como "Irene, a teimosa", também estrelada por Powell e resenhada aqui -, com a bem-vinda adição do "noir". 



140) "Sem lei e sem alma" ("Gunfight at the O.K. Corral", 1957)

Ao lado de "Onde começa o inferno" (1959, resenhado aqui) e "Rastros de ódio" (1956), "Sem lei e sem alma" é dos melhores faroestes dos anos 50, a última década na qual o gênero brilhou. O enredo gira em torno de um episódio essencial da história do "Velho Oeste" americano, que recebeu outras adaptações cinematográficas: a amizade entre o xerife Wyatt Earp (Burt Lancaster) e o pistoleiro Doc Holliday (Kirk Douglas), e o embate destes com foras-da-lei num rancho do Arizona em 1881. Dois astros hollywoodianos no auge da fama, uma produção de grande estúdio, mocinhas suspirantes e um duelo que sua testosterona: a fórmula de um épico hollywoodiano. 

O filme poderia descambar para o melodrama fácil. O uso, por exemplo, de um cantor que, em certos momentos, "entoa" os acontecimentos do filme é risível a ponto de ter sido satirizado por Mel Brooks em seu pastiche "Banzé no oeste" (1974). Por outro lado, a direção segura do grande John Sturges (diretor de outro faroeste, desta vez ambientados em tempos atuais, "Conspiração do silêncio", resenhado aqui) e a atuação acima da média de Douglas e Lancaster ajudam a elevar o filme acima de seus pares. Mesmo sem John Wayne, o astro quintessencial dos faroestes, e apresentando uma direção de fotografia pouco criativa, "Sem lei e sem alma" se segura na presença carismática de seus dois astros e no roteiro enxuto, que não faz concessões ao sentimentalismo. Destaque para um jovem Dennis Hopper, num de seus primeiros papéis no cinema.



141) "Jogo mortal" ("Sleuth", 1972)

Último filme do diretor Joseph L. Mankiewicz ("A malvada", 1950), esta é a adaptação de uma peça de Anthony Shaffer, dramaturgo e roteirista inglês responsável pelo inesquecível "O homem de palha" (1973). Tomando como inspiração o teatro e a literatura inglesa de mistério, Shaffer constrói um duelo retórico entre um escritor e um jovem ambicioso - interpretados respectivamente pelos geniais Laurence Olivier e Michael Caine -, que se desafiam em mentiras e passos em falso, um tentando enganar o outro. A sensação do espectador é de estar vendo a encenação filmada da peça, o que enfraquece um pouco o aspecto "cinematográfico" do filme. Mas o texto é instigante, e os atores estão tão bem em seus papéis - com destaque para o veterano Olivier, que tentava esconder seus problemas de saúde nas filmagens - que ver "Jogo mortal" termina sendo uma experiência divertida. O roteiro foi refilmado em 2007, desta vez com Michael Caine como o escritor veterano e Jude Law como seu antagonista.



142) "O último combate" ("Le dernier combat", 1983)

Luc Besson é o diretor francês mais conhecido fora de seu país desde François Truffaut, e seu estilo divide opiniões. Seus filmes, tais como "Subway" (1985), "Nikita: criada para matar" (1990) e "O quinto elemento" (1997), são vistos por alguns como obras inovadoras de ação e ficção científica. Outros o vêem como um mero imitador do cinema americano. Talvez o único filme seu universalmente admirado - e com toda a razão - seja "O profissional" (1993), onde o diretor mistura intimismo e ação policial com personagens bem desenvolvidos. 

Há, afinal, coisas a se admirar na filmografia de Besson. Infelizmente, seu primeiro longa, "O último combate", não é uma delas. Apesar de contar com uma premissa original à época de seu lançamento, em 1983 (num futuro pós-apocalíptico, onde ninguém é capaz de se comunicar verbalmente, um homem tenta sobreviver num mundo hostil), não há elementos suficientes para sentirmos empatia por qualquer um dos personagens. Algumas reflexões sobre a rapina humana ficam perdidas em cenas de ação mal coreografadas e tediosas, e mesmo a presença de Jean Reno - colaborador frequente de Besson e protagonista de "O profissional" - não salva o filme do tédio. Ao final, "O último combate" serve apenas para admiradores da obra do diretor.





143) "Mishima: uma vida em quatro tempos" (Mishima: a life in four chapters", 1985)

Yukio Mishima (1925-1970) foi um dos artistas mais célebres e polêmicos que o Japão produziu no século vinte. Escritor, dramaturgo, ator e ativista social - chegou a liderar uma milícia particular, que defendia o resgate da essência japonesa -, Mishima invadiu o quartel-general das Forças Armadas na tentativa de insuflar um golpe de Estado e, ao falhar, cometeu suicídio ritual (seppuku). O ato do escritor, assim como sua obra, provocou forte impacto dentro e fora do Japão. Um de seus admiradores é Paul Schrader, lendário roteirista de Scorsese ("Touro indomável", "Taxi driver", "A última tentação de Cristo"), que lançou "Mishima: uma vida em quatro tempos", uma biografia poética e carta de amor ao "enfant terrible" nipônico. 

Na minha opinião, trata-se de uma das melhores cinebiografias já feitas de um artista. De forma livre, misturando passagens biográficas de Mishima e encenações de suas peças de teatro, Schader nos conduz por um passeio pela vida interior do escritor. A vida de Mishima não poderia ser narrada num filme linear, convencional, mas sim numa obra fragmentada e pessoal como esta, que se desenrola quase como uma confissão de admiração de Schrader, um filme claramente importante para o diretor. Nesse sentido, o diretor encontra o Mishima perfeito na pele do ator Ken Ogata, falecido em 2008, que interpreta o escritor maldito com uma intensidade rara.


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