1001 Filmes: de 134 a 138


134) "Lucía" (1968)

Em 1968, dois filmes foram lançados em Cuba que se tornariam, com toda a justiça, clássicos da cinematografia latinoamericana. Um deles foi "Memórias do subdesenvolvimento", a amarga tragicomédia de Tomás Gutierréz Alea; o outro, "Lucía", épico de Humberto Solás. Os dois longas, cada um à sua maneira, representaram uma revisão da fase romântica da Revolução Cubana, de 1959, das aspirações e frustrações geradas pelo movimento guerrilheiro de Fidel Castro e Che Guevara.

Dividido em três partes, o filme de Solás narra as histórias de três mulheres chamadas Lucía, cada uma pertencente a um período chave da história cubana (a Guerra de Independência, em 1895, as revoltas contra os ditadores populistas nos anos 30 e o período pós-Revolução, nos anos 60). Brilham, em cada um dos segmentos, as atrizes que protagonizam o papel-título: Raquel Revuelta, Eslinda Núñez e Adela Legrá. Cada uma vive uma história de amor fadada ao fracasso, expressando, no contexto de sua época, os limites do papel ocupado pela mulher na machista sociedade latinoamericana e o preço a ser pago às mulheres que ousam transgredir esses limites. A câmera nervosa de Jorge Herrero capta cenas fantásticas - como o sacrifício das freiras e a batalha entre guerrilheiros e espanhóis, em 1895, e os campos de trabalho nos anos 60 -, amplos cenários diante dos quais as três mulheres vivem suas angústias e esperanças. Solás equilibra com maestria os conflitos pessoais e sociais, realizando um filme que, além de cativante sem descambar na pieguice, é obrigatório para quem deseja conhecer a história recente da ilha.



135) "Duas garotas românticas" ("Les demoiselles de Rochefort", 1967)

Diversão escapista de primeira qualidade, o musical conta com letras, coreografia e atuações que, se não se equiparam à excelência técnica de seus semelhantes da Broadway, superam estes no espírito leve e descompromissado. Com letras de Michel Legrand, o fiapo de história narra os encontros e desencontros amorosos entre duas irmãs apaixonadas pelo "vaudeville" (as também irmãs na vida real Catherine Deneuve, ícone do cinema europeu, e Françoise Dorléac, infelizmente falecida num acidente aos 25 anos de idade), um marinheiro (Jacques Perrin), um músico frustrado (Michel Piccoli), os trabalhadores de uma feira e até um músico americano (em "interpretação" bem-humorada de Gene Kelly), durante um fim de semana na cidade-balneário de Rochefort.

Falar de "história" num filme tão vaporoso é forçar a barra. Felizmente, o filme nunca se leva muito a sério, abusando da frivolidade de seus personagens e das músicas-chiclete do filme, tornando-o uma experiência muito, muito agradável. Pensar que um musical sobre namoricos adolescentes como este tenha sido lançado no calor da Nouvelle Vague francesa, pouco antes das turbulentas manifestações do Maio de 68, faz recordar que os rios da cultura correm em muitas direções, e que nem todos na França dos anos 60 queriam ver os filmes preto-e-branco desconstruídos de Godard e Truffaut.


136) "Retrato de um assassino" ("Henry: portrait of a serial killer", 1986)

John McNaughton pode não ser um diretor muito conhecido hoje (seu filme mais famoso é o suspense trash-erótico "Garotas selvagens", de 1996), mas, no final dos anos 80, este seu filme de estréia incendiou o circuito independente americano e fez surgir uma onda de cópias de filmes realistas de "serial killers". "Retrato..." é um longa de baixo orçamento, sobre os numerosos assassinatos (reais ou fictícios) atribuídos a Henry Lee Lucas (interpretado de forma genial e perturbadora por Michael Rooker), assassino em série executado em 2001. Abraçando a estética documental, McNaughton recria as mortes de Lucas com uma câmera que, abdicando de artifícios narrativos, torna o espectador uma testemunha em primeiro grau das atrocidades do assassino. De certa forma, a técnica naturaliza os assassinatos, sem recorrer a truques de edição ou musiquinhas de suspense, como nas séries "Halloween" ou "Sexta-feira 13", tornando-os mais brutais e perturbadores do que nestes filmes. "Retrato..." parece nos dizer que a linha que separa um cidadão comum de um assassino em série é mais tênue do que imaginamos.



137) "Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelas" (1975)

Chantal Akerman, cineasta amada do circuito de arte, é conhecida por explorar os limites entre o cinema documental e narrativo em seus filmes, e "Jeanne Dielman..." é sua obra-prima. Nas 3h20 de duração, vemos o cotidiano de uma dona de casa belga, que inclui afazeres domésticos, cuidar do filho adolescente que não lhe dá atenção e, ocasionalmente, oferecer serviços sexuais para sustentar a casa. Gradualmente, porém, a alienação se instala na psicologia de Jeanne, alimentada pela rotina repetitiva e tediosa, provocando, nos minutos finais do filme, o incidente que dará sentido à sua jornada. 

Akerman consegue retratar temas difíceis de filmar, como o machismo e a alienação feminina, num filme quase antropológico. O trabalho de Delphine Seyrig no papel-título é primoroso, logrando retratar, meticulosamente, a loucura que lentamente se instala na pobre Jeanne. Infelizmente, o conceito genial do filme é diluído na duração excessivamente longa, e o espectador chega ao final das quase quatro horas de afazeres repetitivos com a sensação de cansaço e frustração.


138) "A luz" ("Yeelen", 1987)

Filmado por um dos grandes diretores africanos, o maliano Souleymane Cissé (responsável pelo provocador "Finye", de 1982), "A luz" é uma fábula sobre feiticeiros e tradições familiares no Mali medieval. Fugindo de seu pai, um feiticeiro poderoso, o jovem Niankoro (Issiaka Kane) atravessa a savana para encontrar um artefato religioso que o permitirá lutar contra seu perseguidor. No caminho, encontra o amor e realiza o rito de passagem para a idade adulta. Concisa e bela, repleta de simbolismo, a poesia de suas imagens me lembrou o longa chinês "O ladrão de cavalos" (resenhado aqui). Dono de um olhar nativista, desprovido das convenções maniqueístas de ocidentais sobre a África, Cissé resgata as tradições das tribos de seu país sem resvalar no exotismo, e o resultado é uma fábula cativante, representativa da força do cinema realizado nos países africanos após a descolonização, na tradição de grandes como os senegaleses Diop Mambéty e Ousmane Sembene (diretor do ótimo "Mooladé", resenhado aqui).

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