1001 Filmes: de 109 a 113



109) "Sargento York" ("Sergeant York", 1941)

O filme trata da história real de um veterano dos EUA da Primeira Guerra Mundial, Alvin York (interpretado com a mesma cara de sonso que o galã Gary Cooper dava a todos os seus personagens), que deixa de ser um arruaceiro do interior para se tornar um soldado valente e condecorado. 

Lançado logo após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, "Sargento York" não passaria de um filme menor de propaganda patriótica se não fosse o toque de Midas de Howard Hawks (que tinha acabado de lançar a excelente comédia "Jejum de amor", em 1940), que consegue fazer da primeira metade do filme - quando York decide tomar jeito na vida - um estudo interessante de personagem. Infelizmente, a segunda metade é pouco mais que um monte de patriotadas, quando York se revela um super-homem nos campos de batalha na França. 

A melhor cena é a entrada do personagem na igreja e sua conversão a um novo estilo de vida: a montagem da cena, juntamente com as atuações de Cooper e Walter Brennan (que voltaria a atuar anos depois em outro filme de Hawks, "Rio Bravo", resenhado aqui) dão grande força dramática, a qual, infelizmente, não se repete no resto do filme. Triste também constatar que, a exemplo de outros filmes da época, o interesse amoroso de York (interpretado por Joan Leslie) não passa de uma mocinha sonhadora e suspirante.


110) "Planeta proibido" ("Forbidden planet", 1956)

Considerado um filme pioneiro no gênero de ficção científica e inspiração direta para as séries de TV "Jornada nas estrelas" (1966) e "Perdidos no espaço" (1965), além do primeiro "Guerra nas estrelas" (1977), "Planeta proibido" é uma produção "B" elevada a "cult". Apesar do alto orçamento e de algumas boas idéias do roteiro, é pouco mais que uma diversão de matinê, completo com cientistas malucos, mocinhas descerebradas e heróis canastrões (destaque para o protagonista Leslie Nielsen, décadas antes de se reinventar como comediante na série "Corra que a polícia vem aí").

No futuro, uma missão é enviada pela Terra para resgatar uma nave que desapareceu num planeta misterioso. O comandante e sua tripulação, porém, terão que enfrentar um segredo mortal, assim como confrontar o último sobrevivente da missão perdida.  Os efeitos especiais são razoáveis para a época (há algumas sequências admiráveis, como o maquinário no interior do planeta e os belos cenários pintados), mas é difícil manter a seriedade com a canastrice dos atores. Em matéria de ficção científica séria, "O dia em que a Terra parou" (1951) e "Daqui a cem anos" (1936, resenhado aqui) já tinham mostrado a exploração espacial no cinema com enredos mais interessantes. De qualquer maneira, "Planeta proibido" é boa diversão. Basta não levá-lo muito a sério.



111) "Sob a pele" ("Under the skin", 2013)

Em 2000, o britânico Jonathan Glazer - conhecido até então como diretor de videoclipes para bandas como Jamiroquai e Radiohead - dirigiu seu primeiro longa, "Sexy beast", uma comédia policial cujo único trunfo era a interpretação magistral de Ben Kingsley. Quatro anos depois, dirigiu "Reencarnação" ("Birth"), um drama existencial com Nicole Kidman que não animou muito. Glazer parecia que estava destinado mesmo aos videoclipes, até ressurgir em 2013 com o bizarro "Sob a pele", uma ficção científica de baixo orçamento repleta de imagens oníricas, edição de som acachapante e a excelente interpretação de Scarlett Johansson.

É difícil definir "Sob a pele". Uma espécie de "Starman" nos anos 2000 dirigido por David Lynch, talvez? O filme parece filiado ao cinema independente europeu, com longas tomadas no meio do mato seguindo personagens caminhando de um lado para o outro. Mas não se trata aqui de mero virtuosismo estético. O ritmo pouco usual da edição ajuda a conduzir o fiapo de história - uma alienígena toma a forma de uma moça (Johansson) para roubar a energia vital de habitantes do meio rural na Escócia - de uma forma inovadora e livre. Trata-se de cinema de criação, descompromissado com os fins do cinema comercial (é difícil imaginar quem queira assistir a "Sob a pele" para desopilar), recheado de imagens - e pouquíssimo diálogo - que remetem a questões como identidade, mimetismo, feminismo e alienação. 

Além disso, é bonito ver Johansson em outros papéis que não o de loura burra ou Viúva Negra em filmes da Marvel. Quem se lembra dela em "Ponto final" ("Match Point", 2005)  e de sua narração em "Ela" ("Her", 20013) sabe que Johansson não é só um rosto bonito mas também uma atriz talentosa, que merece papéis relevantes como o de "Sob a pele".



112) "Zero de conduta" ("Zéro de conduite", 1933)

Jean Vigo deve ser um caso único no cinema. Falecido aos 29 anos, dirigiu apenas três curtas-metragens e um longa, "O Atalante" (1934). Apesar disso, o longa e um dos curtas, "Zero de conduta", foram tão influentes que são considerados obras seminais do cinema realista poético, firmando o nome de Vigo junto a grandes mestres do cinema francês da época, como Jean Renoir e René Clair.

Basta ver "Zero de conduta" (na verdade, um média de 44 minutos) para constatar a genialidade precoce de Vigo. Narrando com precisão e humor o cotidiano de um internato para meninos, o filme serviu de inspiração direta para "Os incompreendidos" (1959) de Truffaut e boa parte da "Nouvelle vague", rejeitando as convenções do cinema encenado em nome de atuações realistas, mais ligadas à experiência humana. O inconformismo dos alunos do internato com a autoridade dos adultos prenuncia o cinema combativo dos anos 60 e 70, tendo sido reproduzido em "Se..." ("If...", 1968, resenhado aqui). A cena da algazarra dos meninos no dormitório, em câmera lenta, tornou-se um atestado eterno sobre o inconformismo e a liberdade no cinema.



113) "Monstros" ("Freaks", 1932)

Falando em inconformismo, "Monstros" é outro filme incômodo do cinema comercial, rejeitado na época de seu lançamento mas que se mostrou influente e relevante nas décadas seguintes. Cria do diretor Tod Browning (famoso pelo clássico "Drácula" de 1931, com Bela Lugosi, e por alguns filmes de terror com Lon Chaney), "Freaks" teve a ousadia de mostrar pessoas com deficiências e anomalias físicas como protagonistas, e não meras curiosidades. 

Ambientado no universo do circo (onde Browning trabalhou antes de entrar no cinema), o filme conta a história de um grupo de artistas apresentados como "aberrações da natureza" que se insurgem contra as maquinações de uma trapezista. Quase todos os atores são, de fato, pessoas com deformações que praticamente as impedem de conviver normalmente entre os seres humanos ditos "normais". A novidade do filme de Browning está em apresentá-las como personagens inteiros, capazes de demonstrar emoções, e não apenas curiosidades mórbidas, como é comum em grande parte dos filmes produzidos no cinema comercial. Quantas vezes não vemos anões sendo usados como alívio cômico em filmes e séries de TV? 

Como era de se esperar, a iniciativa de Browning acabou chocando a pudica sociedade norte-americana dos anos 30, praticamente decretando sua aposentadoria do cinema. Inclusive, os produtores forçaram a adição de um epílogo para reduzir a carga de choque do filme. Ainda assim, "Monstros" é quase tão impactante e controverso hoje do que há 80 anos, e um exemplo muito bem-vindo na categoria de filmes feitos para questionar os tabus sociais.

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