1001 filmes: de 104 a 108


104) "Zabriskie Point" (1970)

No final dos anos 60, Michelangelo Antonioni era o herói do cinema independente. Com o sucesso de "Blow up" e já com sua maravilhosa trilogia da incomunicabilidade nas costas ("A aventura", "A noite" e "O eclipse"), o italiano fez o que todo diretor faz ou tenta fazer em algum momento de sua carreira: foi a Hollywood. Produtores como Carlo Ponti (que já havia produzido filmes de Fellini e Godard) resolveram contratar Antonioni a peso de ouro para ver se conseguiam traduzir toda aquele rebeldia e alienação nos anos 60 em dólares na bilheteria. 

Às vezes, a indústria consegue captar o "zeitgeist" da época e atingir seu público. Não foi o caso de "Zabriskie Point", que não agradou nem aos hippies cabeludos que protestavam contra a guerra no Vietnã, nem aos "baby boomers" almofadinhas de penteado certinho, que se identificaram mais com a anarquia de "Sem destino" ("Easy rider", 1970). A história minimalista de um jovem rebelde que rouba um avião e vai transar no meio do deserto californiano com uma burguesa confundiu a crítica e afastou os espectadores. Mas o fracasso financeiro do filme não significou o fracasso artístico do filme, que conta com belíssima direção de fotografia e trilha sonora comparável a um mini-festival de Woodstock (Pink Floyd, Jerry Garcia, Rolling Stones). O filme é mais vaporoso do que os que Antonioni fez na Europa, mas prende a atenção pela atmosfera improvisada das atuações, adequada ao auge da contracultura. Tem pelo menos duas cenas memoráveis: o bacanal no deserto e a longa sequência final em câmera lenta, em que a sociedade de consumo vai, literalmente, pelos ares.



105) "O segundo rosto" ("Seconds", 1966)

Num mundo perfeito, "Seconds" figuraria como um clássico da ficção científica com crítica social, tal como "1984" (1984) e "Olhos sem rosto" (1960). Infelizmente, nunca recebeu o devido mérito. Um mestre em filmar espaços fechados, John Frankenheimer ("Sob o domínio do mal", 1962) narra a fábula perturbadora sobre um homem (Rock Hudson, galã dos anos 50, aqui surpreendente num papel maduro) que se submete a uma cirurgia experimental para trocar de rosto. Ele assume uma nova identidade, mas não se adapta à nova vida e entra em conflito com seus "criadores". Filmado em preto-e-branco, com fotografia distorcida e criativa, o filme deixa uma dor de cabeça boa com o tanto de boas discussões que rende: crise de identidade, insatisfação, depressão, ética, idealismo... Denso, pesado, perturbador e maravilhoso.




106) "O ladrão de Bagdá" ("The thief of Bagdad", 1924)


Douglas Fairbanks foi o maior galã das matinês do cinema mudo, encarnando heróis como Robin Hood e Zorro em fantasias escapistas que fizeram a alegria de crianças e adultos. "O ladrão de Bagdá" não foge à regra. Como se fosse um antigo filme de super-herói da Marvel, a produção mistura um enredo batido (ladrão esperto encontra o amor e a nobreza de caráter) com bons efeitos especiais e um ator carismático. Desnecessário dizer, o "Aladim" da Disney chupou essa história desavergonhadamente.

 Graças à longa duração de 2h35, o filme começa a ficar repetitivo depois da metade, mas se segura pela sucessão interminável de aventuras que Fairbanks deve passar para ficar com a mocinha no final. Acaba sendo divertido, apesar do elenco secundário fraco - naturalmente, todos os holofotes ficam em Fairbanks - e os estereótipos do roteiro (o vilão, por exemplo, é um príncipe mongol ardiloso e cruel, calcado nas caricaturas anti-asiáticas presentes na imprensa norte-americana no início do séc. XX). Destaque para Anna May Wong, única atriz sino-americana a fazer sucesso em Hollywood, aqui em início da carreira. 



107) "Adeus, meninos" ("Au revoir les enfants", 1987)

O francês Louis Malle ("Ascensor para o cadafalso", 1958, "Sopro no coração", 1971, e "Atlantic City", 1980, resenhado aqui) tinha o dom de construir personagens complexas e carismáticas. Nesse caso, a maioria de seus filmes eram "estudos de personagem", nos quais o enredo interessa menos do que o universo interior dos protagonistas (seu conterrâneo Eric Rohmer também segue essa linha). "Adeus, meninos" é um dos melhores exemplos dessa estirpe. Baseado na vida de Malle, o roteiro narra a história de dois meninos que estudam num internato de padres na França ocupada pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. Rivais em princípio, Julien e Jean se tornam amigos, enquanto o mundo protegido pelo internato começa a se despedaçar. De uma sensibilidade nada óbvia, é um dos melhores filmes da carreira já brilhante de Malle. 



108) "Branca de Neve" ("Blancanieves", 2012)

Já escrevi mais de uma vez por aqui que sou fã do cinema mudo. Penso que a primeira época do cinema atingiu uma sofisticação de linguagem e criatividade que demorou décadas para recuperar com a chegada do cinema falado. Por isso, estava animado para ver um dos poucos filmes mudos da lista dos "1001 filmes", o espanhol "Blancanieves". Com bela fotografia e um roteiro criativo - uma releitura do conto de Branca de Neve passada no universo das touradas de Sevilha nos anos 20 -, infelizmente o filme não tem o necessário para ser considerado uma obra inescapável. É boa distração, com algumas cenas de grande força visual (como a sequência inicial e uma pequena transição que mostra, em poucos segundos, um vestido de primeira comunhão se tornar uma roupa de luto), mas os papéis são formulaicos, como a vilã maligna e a heroína de bom coração. O final é ambíguo e ajuda a levantar o filme, mas não o suficiente para que seja considerado uma das obras para "ver antes de morrer".



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