1001 filmes: de 94 a 98


94) ”Sorgo vermelho" ("Hong gao liang", 1987)

Quando o vento balançar as folhas da plantação, a colheita começa. O vento é um dos protagonistas da bela estréia de Zhang Yimou (um dos diretores chineses de maior destaque nos últimos 30 anos). As cenas-chave de “Sorgo vermelho” ocorrem em meio a essas cenas atemporais de folhas balançando ao vento, que marcam as passagem das estações e dos anos. 

Num conto rural que, às vezes, beira a fantasia, uma camponesa (Gong Li, grande atriz que posteriormente faria duas obras-primas do cinema chinês do início dos anos 90, “Lanternas vermelhas”, de Yimou, e “Adeus, minha concubina”, de Chen Kaige) é forçada a se casar com o dono de uma fábrica de vinho de sorgo. Ao se tornar viúva, porém, a mulher toma conta do negócio e conquista o respeito de seus operários.

A simbologia contida na bela fotografia e no roteiro enxuto, reduzido à essência da história, bem mostra a evolução que o cinema chinês demonstraria na década de 90, época em que surgem cineastas como Yimou, Kaige, Ang Lee, Tsai Ming-Liang (em Taiwan) e Wong Kar-Wai (em Hong Kong). É o começo de uma era áurea para os diretores daquele grande país, marcados pelo minimalismo do roteiro e exuberância na fotografia, e “Sorgo vermelho” é seu cartão de visitas.



95) “Lírio partido” (“Broken blossoms”, 1919)

Ainda no assunto China, temos aqui a visão ocidental, orientalista e um tanto estereotipada do cinema americano sobre o tema da imigração chinesa. Dirigido por D. W. Griffith, responsável pelo filme que deve ser o mais racista da história (“O nascimento de uma nação”, 1915), “Lírio partido” é um filme pequeno e lírico (em forte contraste com os épicos “O nascimento…” e “Intolerância”, de 1916) sobre a amizade entre um imigrante chinês e uma garota abusada pelo pai em Londres. 

Apesar da personagem principal ser interpretada por um ator ocidental (Richard Barthelmess), com maquiagem e olhos puxados artificialmente, a condução do roteiro surpreende por evitar a caricaturização extrema. Indo contra a corrente do início do séc. XX de estigmatizar a população asiática (chamada de “perigo amarelo”), Griffith constrói a personagem de Cheng Huan, o imigrante, com delicadeza, mostrando o choque cultural entre o pacifismo do protagonista e a brutalidade do pai da frágil moça (muito bem interpretada por Lillian Gish, “habitué” da cinematografia do diretor). Ao final, Cheng acabará sendo tragado pela espiral de violência que é rotineira no bairro onde mora, terminando em sua ruína.


96) “Week-end à francesa” (“Week End”, 1967)

Um dos filmes mais iconoclastas do rei da iconoclastia, Jean-Luc Godard, “Week End” é um dicionário de desconstrução da linguagem cinematográfica dos mais virulentos que M. Godard já filmou. Seguindo na onda destrutiva de “O demônio das onze horas” (1965), as instituições burguesas e capitalistas recebem aqui um tiro de morte, de forma bem menos sutil do que em filmes anteriores do diretor como “Acossado” (1960) e “O desprezo” (1963). 

Em “Week End”, um casal viaja à casa dos pais da mulher com o intuito de matá-los para roubar-lhes a herança, atravessando uma estrada pontuada por corpos atropelados, sangue e carros incendiados. No caminho, o casal encontra personagens da literatura que praticam a auto-imolação; é sequestrado por um bandido-filósofo, cruza com o maior e mais caótico engarrafamento da história e se depara com um bando de revolucionários canibais. É impressionante que, no meio de tanta desolação, Godard consegue demonstrar um senso de humor fino e satírico com temas tão variados como a libertação sexual feminina e a luta de classes. É um filme desconjuntado, anárquico, libertário e maravilhoso.


97)   “Para minha irmã” (“À ma soeur”, 2001)

O começo dos anos 2000 foi marcado por filmes-escândalo: deve ter sido alguma coisa geracional, alguma necessidade de chacoalhar a letargia do público, como no final dos anos 60 e começo dos 70. “Irreversível” (2002), “Brown bunny” (2003) e “À ma soeur” (2001) chocaram por cenas de sexo e violência realista. Dos três, este filme de Catherine Breillat é o menos estilizado e mais pé-no-chão. 

Após ter dirigido o polêmico “Romance” (1999), que contava com cenas de sexo explícito, Breillat continuou sua análise aguda da sexualidade feminina com “Para minha irmã”. A diretora traz seu ponto de vista sobre o amadurecimento de duas irmãs adolescentes, e os jogos sexuais que homens e mulheres jogam, de forma tão franca que é raro ver algo assim no recalcado cinema ocidental. O que parecia ser uma história de formação de adolescentes se desmonta nos minutos finais, quando os personagens conseguem, de um modo doentio e chocante, a concretização de seus desejos inconfessáveis. É um filme-escândalo, ainda que não pareça, e dos bons.


98) “O grande silêncio branco” (“The great white silence”, 1924)

Este documentário do cinema mudo é o relato cinematográfico da expedição de Robert Scott, navegador inglês que, em 1910, viajou à Antártida com o objetivo de ser o primeiro homem a pisar no Pólo Sul. Como se sabe, a expedição foi mal-sucedida, Scott e sua equipe perderam a corrida ao Pólo ao explorador norueguês Amundsen e acabaram morrendo congelados na viagem de volta. 

Esse trecho mais dramático da expedição é recontado em “O grande silêncio branco” apenas por animações e relatos do diário de Scott, por um simples motivo: o cinegrafista Herbert Ponting ficou no acampamento principal e não acompanhou a expedição principal. Mas as imagens de Ponting sobre a travessia marítima ao grande “deserto branco” da Antártida e sobre os pinguins e focas de lá fazem do documentário um belo estudo da região mais isolada do mundo. O epílogo fatídico de Scott acabam dando um contraponto melancólico ao filme, adequado à sensação de estranhamento e descoberta que marcou a viagem.



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