no bar

Fazia uns quinze minutos que o cara tava me encarando. Finalmente, quando eu já pensava em ir embora dali, ele se levantou do balcão do bar e caminhou até minha mesa.

- Com licença. – ele disse, sorrindo.
- Não, obrigado. – respondi.
- Mas ainda não falei nada.
- Você veio me dar uma cantada ou pedir meu telefone. Agradeço, mas não estou interessado.
- Não é nada disso. Eu só estava admirando seu bigode.
- Oh. Obrigado.
- É um belo exemplar. Tem presença. Algo como uma mistura de Freddy Mercury com Saddam Hussein. Seu bigode não é um bigode, é uma declaração de princípios.
- Que exagero. – murmurei, lisonjeado.
- Quer vender?
- Vender o quê?
- O bigode. Faço coleção. Pago bem.
- Você coleciona bigodes?!
- Porque a surpresa? Tem quem colecione capa de celular. Garrafa de cerveja. Eu coleciono bigodes. Cada um é único, sabe. Não é só o corte. Os pelos crescem de maneira diferente em cada rosto. Influem vários fatores: a grossura do pelo, o efeito da gravidade, a curvatura do lábio... Qualquer idiota pode deixar uma moita crescendo na cara. Mas os verdadeiros artistas... esses sim, sabem apreciar o valor de um portentoso bigode.
- E você quer pagar pelo meu bigode?
- Tenho um barbeiro que consegue raspar tudo e fazer a reconstituição depois, fio por fio. Uma beleza. Depois você deixa crescer.
- Desculpe, ele não está à venda.
- Pago quinhentos reais.
- Mil.
- Fechado. Pra quem não queria vender até que você aprende rápido.
- Era porque eu não sabia que meu bigode estava no mercado.
- Oitocentos, novecentos... mil reais, aqui estão. Vamos lá em casa?
- Oi?
- Chamo meu barbeiro de lá, ele vai e raspa seu bigode. Não demora nada.
- Ok, vamos.
Vinte likes e termino a história.


2


"NO BAR" (2)
Eu e o Colecionador de Bigodes entramos no carro dele, um belo e caro automóvel, e partimos em direção à sua casa. À medida que nos distanciávamos da cidade, eu só conseguia pensar, já arrependido, que aquele papo maluco de colecionar bigodes devia ser mentira. Ele provavelmente pararia o carro numa estrada deserta, me levaria para o meio do mato, me daria um tiro na cabeça e depois faria amor com meu corpo inanimado antes de voltar para o carro e passar num McDonald´s a caminho de casa para comprar um McFish e um pacotinho com pedaços de maçã.
- Você deve estar achando que vou te matar e desovar seu corpo no mato, né? - ele perguntou, sorrindo.
- Imagina. - respondi.
- Não te culpo. Todo mundo acaba achando estranho essa minha mania por bigodes. Ela é, no mínimo, irônica. - indicou seu rosto, imberbe. - Mas não posso evitar. Fui tarado por bigodes minha vida toda. Quando era pequeno, eu cortava bigodes de gatos e cachorros e guardava dentro de uma caixa de sapato. Lembro do dia em que apareceu o meu primeiro fio de buço. Sabia que guardo até hoje todos os fios que cresceram do meu bigode? Tenho umas duas gavetas cheias, tudo catalogado com saquinhos de plástico. Você acha isso estranho?
- Não, supernormal. - respondi, tentando memorizar o caminho que tomávamos.
Certa vez, ouvi dizer que uma boa maneira de lidar com um doido era mantê-lo falando. Resolvi estimular a conversa.
- O que t-te atrai em colecionar bigodes?
- Sinceramente? Não sei. Já pensei muito nisso. Acho que é a sensação de fazer algo diferente de todo mundo. É como se eu me sentisse o protagonista de minha própria história. Sabe como tem gente que pensa, eu não tenho controle sobre nada? Como se não passasse de um coadjuvante, um personagem secundário em sua própria vida?
- Sei. - murmurei, tentando calcular o melhor momento para abrir a porta e me jogar rolando no asfalto. Antes que eu pudesse fazer isso, porém, o carro começou a perder velocidade.
- Chegamos.
O Colecionador parou o carro na frente do portão gigantesco de uma propriedade. Ele apertou um botão próximo ao volante, e as grades se abriram lentamente para nos deixar passar.
- Vou ligar pro meu barbeiro pra ele vir raspar o seu bigode. Você vai sair daqui em meia hora, com mil reais no bolso.
Atravessamos um imenso jardim, com árvores altas cobrindo a visão da lua. A estrada de acesso nos levou diante de uma mansão estilo vitoriano, digna de figurar em filme do Drácula, com as janelas todas apagadas, exceto uma: no último andar, a janela do canto direito estava fechada, mas uma forte luz rosa-shocking emanava do interior da casa.
Saímos do carro. A noite estava úmida e quente.
- Bem-vindo. - disse o Colecionador, destrancando a porta da frente. Achei estranho que, numa mansão daquele tamanho, eu ainda não tivesse visto um segurança ou empregado.
Não vi muito da sala escura, exceto que era enorme. A única luz que entrava era pelos janelões, um brilho prateado que revelava mesas, cadeiras e quadros na parede. Ouvi a porta se trancando atrás de mim e os passos do Colecionador se afastando para o interior da casa.
- Vou fazer a ligação do meu telefone. Fique à vontade.
Em que treta fui me meter, pensei enquanto minha vista se acostumava à escuridão. O que eu estava fazendo ali, no meio do nada, com um desconhecido numa casa escura e deserta? Instintivamente, acariciei meu bigode. De fato, era um belo bigode, de pelos sedosos, que eu cultivava com carinho.
Logo diante da janela mais próxima havia um quadro enorme, pintado a óleo. Era o retrato de um homem mais velho, trajado em uniforme militar e de olhar penetrante. A única coisa fora do lugar eram seus longos bigodes brancos, dois jorros compridos de pêlos que nasciam debaixo de seu nariz e se estendiam por todo o comprimento do quadro, até se esparramarem pelo chão próximo aos pés do retratado. Um bigode obsceno, marcial, extraordinário.
Subitamente, percebi alguém respirando ao meu lado. Virei-me num salto e não pude evitar um grito. À minha frente, na penumbra, o Colecionador de Bigodes me encarava com um sorriso insano, agarrando firmemente o cabo de um machado em suas duas mãos. A lâmina brilhava, refletindo o clarão da lua.
- Prefiro raspar os bigodes com a sua cabeça cortada! - disse, entre gargalhadas - É mais fácil assim!
Trinta likes e termino a história.



3



NO BAR (3)
Disparei pelo corredor escuro, passando pelas janelas e pelo quadro do general com bigodões. Minhas pernas pareciam ter ganho vida própria, o medo que eu sentia em desbravar a mansão desconhecida substituído por um único objetivo: sobreviver. À distância, eu ouvia a risada do maluco com o machado diminuir gradualmente, mas nem por segundo pensei em olhar para trás para ver se ele me perseguia.
Abri a primeira porta que vi e estava prestes a entrar quando reparei no bizarro conteúdo do quarto. Sob uma luz forte, penduradas nas paredes, encerradas em caixilhos de vidro, dispostas sobre mesinhas, empilhadas umas sobre as outras, barbas, muitas barbas, negras, castanhas, ruivas, espessas e ralas, aparadas e malcuidadas, enchiam o aposento. Analisei rapidamente aquela exibição até que percebi uma figura no fundo do quarto: um homem gordo sentado sorria para mim, com uma barba que lhe alcançava os joelhos e se confundia com o resto da barbaria.
- Entre! – convidava.
Fechei a porta. Nem pensar. Olhei para o corredor, onde a silhueta diminuta do Colecionador de Bigodes continuava pregada no mesmo lugar, empunhando seu machado e rindo sua gargalhada tenebrosa, como se saboreasse meu medo.
Desesperado, fui abrindo todas as portas do corredor. Em cada quarto vi coleções de olhos, braços, pernas, fígados, dedos sem unha e unhas sem dedo. E, em cada uma das exibições, havia um homem sentado como um guarda de museu, sorridente, convidando-me a entrar e, provavelmente, acrescentar alguma peça do meu corpo à coleção.
Repentinamente, passos ecoaram velozes no corredor. A silhueta do Colecionador passou pela luz dos janelões, suas gargalhadas ecoando pela casa enquanto eu assistia, petrificado, ao machado ereto no ar que tinha meu pescoço como endereço.
- Psiu! – uma voz feminina irrompeu da escuridão – Aqui! Rápido!
Segui na direção do som e encontrei uma porta aberta. Senti um puxão em meu braço que me arrastou para dentro de um dos quartos.
Vinte likes e a saga continua.

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