1001 Filmes: de 84 a 88


84) "Que horas são aí?" ("Ni na bian ji dian", 2001)
Tsai Ming-liang é um dos queridinhos do circuito de cinema "de arte". Nascido na Malásia, fez carreira em Taiwan, onde realizou, até o momento, dez longas-metragens. Venceu prêmios em festivais importantes, como Veneza e Berlim. "Que horas são aí?" é o seu quinto longa. 
Este foi o primeiro filme de Ming-liang que vi e certamente não será o último. Minimalista, sensível, o filme é uma jornada sentimental - e, em certas ocasiões, extremamente bem-humorada - sobre os descaminhos de três pessoas: um vendedor ambulante de relógios cujo pai morreu recentemente, sua mãe e uma moça que ele conhece rapidamente antes dela se mudar para Paris.
Desde o início, percebe-se a presença de temas caros aos cineastas independentes na virada do milênio: a incomunicabilidade, o choque cultural causado pela globalização, o mal-estar causado pela tecnologia. O vendedor, apaixonado pela moça, torna-se obcecado em adiantar todos os relógios de Taiwan para a hora de Paris, a fim que, de alguma forma, eles estejam conectados de alguma forma. A moça, por outro lado, vive um cotidiano vazio na França, apenas encontrando companhia com uma turista chinesa. E a mãe do vendedor, obcecada em rever o marido recém-falecido, começa a fantasiar o retorno dele. 
Ming-liang preenche seu filme com imagens que mostram a inadequação dessas três pessoas em habitarem o aqui e o agora. Ao fazê-lo, revela nossa própria inadequação. É um cinema muito econômico, muito recompensador.


85) "Sob a sombra" ("Under the shadow", 2016)

Assistir a um bom terror psicológico sempre é uma experiência gratificante, especialmente em se tratando de um longa de estréia - no caso, do diretor britânico de origem iraniana Babak Anvari. Inteiramente falado em persa, "Sob a sombra" narra a história envolvente de uma mãe iraniana e sua filha, presas num apartamento durante uma Teerã bombardeada durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988). 
Como num filme de Polanski, a tensão da vida cotidiana se mescla com toques de sobrenatural, numa bem-vinda economia de recursos. A fotografia de uma Teerã desolada (as filmagens, na verdade, ocorreram na Jordânia) e o crescente isolamento da mãe e da filha do mundo exterior ajudam a construir um clima convincente de terror, que, afinal, pode ser visto como uma metáfora para a ausência. Quando a origem do mal é revelada, já no final do filme, estamos capturados. Vale muito a pena assistir.


86) "A rosa púrpura do Cairo" ("The purple rose of Cairo", 1985)
Eu tinha a idéia errônea de que esta se tratava de uma obra menor de Woody Allen. Ledo engano: o roteiro enxuto e inspirado, partindo de uma ideia interessante - em 1935, um personagem de um filme romântico (Jeff Daniels) escapa da tela do cinema para ficar com uma garçonete sonhadora (Mia Farrow) -, faz desta uma das melhores comédias que Allen realizou nos anos 80. Não à toa, o diretor frequentemente cita "A rosa púrpura..." como um dos favoritos de sua filmografia.
Aqui, Allen trabalha com um tema recorrente, a metalinguagem. Sua releitura do cinema clássico hollywoodiano, porém, não está impregnada apenas de nostalgia mas também de reflexão contemporânea. Logo após a fuga do personagem de seu filme - e a reação hilariante de seus colegas fictícios, que se encontram incapacitados de continuar a história -, o ator que interpretou o personagem tenta encontrar sua criatura. Ao mostrar Mia Farrow dividida entre criador e criatura, Allen turva a fronteira entre o sonho e a realidade. 
No final memorável, o diretor reforça a importância do cinema como válvula de escape da realidade, escusando-se de defender tanto a fuga onírica quanto a realidade total. Trata-se de uma bela declaração de Allen de amor ao cinema, ainda que esse amor não seja cego à tentação de alienar-se.

87) "O tambor" ("Die Blechtrommel", 1979)
Oskar Matzerath é um menino que, aos três anos de idade, resolve parar de crescer. Preso eternamente no corpo de uma criança, batendo um tambor como um coelhinho de comercial de pilha, Oskar e sua família testemunham a ascensão do nazismo, a Segunda Guerra Mundial e a destruição da Alemanha. 
Altamente alegórico, "O tambor" foi um dos maiores triunfos do cinema alemão do pós-guerra, adaptando o romance de 1959 de Gunter Grass (posteriormente, vencedor do Nobel de literatura) num épico de duas horas e meia, repleto de simbolismos e cenas desconcertantemente geniais, retratando um jogo de cartas durante um bombardeio e enguias saindo da cabeça decepada de um cavalo.
O roteiro, adaptado pelo grande Jean Claude Carrière - parceiro de longa data de Buñuel -, descreve bem o estranho mundo que rodeia o jovem-velho Oskar, cujas únicas defesas são seu tambor e a capacidade de estilhaçar vidros com seus gritos. O menino é uma metáfora para a irresponsabilidade do povo alemão, que, em grande parte, fechou os olhos para a ascensão de Hitler, que levaria a Alemanha à destruição. Como tal, "O tambor" é uma leitura interessante da cegueira voluntária de um povo, que pode ser adaptada a outros contextos históricos e geográficos.


88) "Os assassinos" ("The killers", 1946)

Nada como um excelente título para fechar esta sessão. Parcialmente adaptado de um conto de Ernest Hemingway, "Os assassinos" merece figurar em qualquer lista dos melhores filmes noir, graças à fotografia de alto contraste e ao roteiro bem amarrado. Dirigido por Roberto Siodmak - alemão que ajudou a criar o cinema noir, adaptando a estética do cinema mudo expressionista às convenções hollywoodianas -, o filme tem tipos humanos cativantes, partindo do assassinato de um criminoso (Burt Lancaster, excelente em seu primeiro papel) para construir uma trama de traições e homens - e mulher, especificamente a inigualável Ava Gardner - perigosos. 



A fotografia noir e a trama aproxima “Os assassinos” de contemporâneos seus, como “Cidadão Kane” (1941) e “Laura” (1944). Ainda que não seja tão bom quanto estes, trata-se de um exemplo incontornável do noir em seu auge.


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