Certa vez eu lia um livro sentado num banco de praça quando um demônio apareceu ao meu lado.
(Antes de continuar, é bom esclarecer que nem todos os demônios são maléficos. Às vezes eles só querem nos provocar. Coisas ruins são causadas por nossa própria natureza e não por diabinhos chifrudos batendo asas por aí, por mais que queiramos acreditar nisso.)
Aquele era um desses diabos desafiadores, mais curioso do que qualquer outra coisa. Tentei ignorá-lo, concentrando-me na leitura. Mas ele queria atenção e arrancou o livro da minha mão, apalpando-o, cheirando a capa e segurando-o em uma de suas mãos ossudas e escamosas.
- O que é issssso? – perguntou o demônio, sibilante.
É um livro, respondi.
- E pra quê sssssserve?
Confesso que fiquei em dúvida sobre o que responder. Depois de pensar por um momento, eu disse, um tanto ingenuamente, que servia para muitas coisas. Para aprender, para matar o tempo...
- Mat-tar? – respondeu, ligeiramente interessado. Ri quando ele procurou lâminas escondidas nas páginas.
- Isto é um romance. Não tem utilidade nenhuma. – eu disse, finalmente.
- Não sssserve para matar, torturar, deixar alguém rrrrrico, para trair uma esposssssa, um amigo?
- Infelizmente, não. – sorri.
O demônio olhou o livro de cara feia e o atirou no chão. Apanhei-o e continuei a leitura. Ele me olhou calado durante algum tempo.
- Por quê você faz isssso?
- Sinceramente, não sei. – respondi, já meio aborrecido.
- Quer vender sssssua alma?
- Não, obrigado.
Sem outra palavra, ele desapareceu numa nuvem de enxofre.
Aliviado, voltei a ler tranquilamente. Mas depois nos encontramos de novo, desta vez no livro.

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