ônibus
Tenho que contar isso. Eu estava em um ônibus, lendo um livro de Octavio Paz. O sol iluminava o dia, preenchendo-o de possibilidades, inclusive as mais improváveis. Meus olhos percorreram meus companheiros de viagem, uma senhora gorda cheia de sacolas sentava ao meu lado, decidi que se chamava Gilda e que as sacolas estavam cheias dos pedaços de seu marido que ela matou depois de 26 anos de casamento. Uma garota, definitivamente Sofia, permanecia em pé, olhando para essa insofismável dimensão do nada. Ao lado de Sofia estava Júlio, talvez se chamasse Júlio, a testa franzida, sem saber se seria aquele o dia em que finalmente iriam demiti-lo do emprego.
Deixo em paz meus queridos desconhecidos e fito a janela. Outro ônibus acelera e se emparelha com o nosso, vejo os outros passageiros com um pouco menos de familiaridade, talvez uma inexplicável competição. Levo um susto, Júlio está de pé no outro ônibus, a testa franzida pensando na demissão e nos boletos, Sofia digerindo o vazio, Dona Gilda equilibrando a cabeça de seu marido sobre o colo e eu com o Octavio Paz, mirando-me detrás da janela, e minha surpresa é a surpresa dele, e nós dois escrevemos sobre esse encontro que não sabemos definir se é coincidência ou espelho.
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