hospital


(Foto do site https://operipatetico.wordpress.com/2012/05/27/diferencas/)


Os pacientes que se amontoavam na sala de espera da emergência do Hospital Sagrado Coração ficaram embasbacados com a cena que se desenrolava diante de seus olhos. E, sinceramente, quem poderia culpá-los? 

Em meio a braços pendurados por ataduras de gaze e rostos comidos pela dor e pela espera, uma dúzia de homens com barbas falsas irrompeu pela porta da rua e abriu caminho até a recepção. Liderando-os estava uma mulher envolta num manto azul-claro, com os cabelos cobertos como uma freira. Os demais recém-chegados vestiam túnicas de cores improváveis, verde-limão, roxo, calçavam sandálias e carregavam algo sobre os ombros, sim, algo que encobria a luz tênue das lâmpadas fluorescentes, algo enorme como um caixão, não, uma cruz de madeira, e um corpo sobre a cruz, um jovem magro de cabelos longos com um breve pano cobrindo as vergonhas. Quase imperceptíveis, gotas de sangue pingavam das extremidades da cruz sobre o assoalho, e quem as sentia pingar próximas de si percebia que cravos enormes perfuravam as mãos do jovem, imobilizando-o. 

Gritando para ser ouvida acima do murmúrio geral, a mulher de manto azul-claro exigiu atendimento ao crucificado. A recepcionista, tentando disfarçar seu assombro, gritou de volta que não havia médicos disponíveis, era necessário esperar. Mas esperar onde? As cadeiras da sala estavam todas ocupadas. Os mais doentes sentavam no chão, outros esperavam de pé, e até o espaço nas paredes era disputado para se apoiar e aguentar as longas horas até o atendimento. 

De tempos em tempos, um enfermeiro cambaleante de camisa suja saía de uma porta e chamava um nome. A dita pessoa o acompanhava (ou era carregada) até a porta, onde desaparecia. Na primeira vez que surgiu o enfermeiro, os homens de barba falsa o cercaram e exigiram que o homem da cruz fosse atendido, mas o enfermeiro apenas os olhou com olhos de quem tinha acabado de voltar de uma guerra e respondeu que era necessário esperar. Quando percebeu a cruz enorme, porém, acrescentou que falaria com o médico de plantão, mas recomendava que levassem o jovem à Santa Casa de Misericórdia, ao Vera Cruz ou a outro hospital, sumindo porta adentro com mais um doente.

Aos poucos, alguns da multidão conversaram com o grupo. Rumores se espalharam. Alguém arriscou que se tratava de um grupo de teatro amador. O ator teria se empolgado e buscado interpretar seu personagem da forma mais realista possível (artistas…). Outro insinuou que a própria aparição deveria ser uma encenação, uma pegadinha cruel de Internet feita para captar a reação aparvalhada dos pacientes. Mas houve uma mulher no canto da sala que apresentou uma explicação diferente… uma explicação inominável, inacreditável, que fez com que quem a ouvia se benzesse e pedisse para que ela se calasse… Uma hipótese que, de tão absurda, era até plausível. Uma espécie de teste místico.

Passaram-se horas. O grupo havia finalmente conseguido espaço para deitar a cruz no chão e a multidão rodeava o crucificado em silêncio. Muitos choravam. A mulher de manto azul-claro, sentada no chão, acariciava os cabelos do crucificado. Sua dor era tão imensa que obscurecia seu rosto. Enquanto isso, os homens de barba falsa discutiam entre ir a outro hospital ou continuar esperando. Alguns deles partiram, afirmando que não era necessária a presença de todos.

Quando já amanhecia, o enfermeiro de camisa suja saiu da porta e gesticulou para que trouxessem o jovem. Com dificuldade, os homens de barba falsa passaram com a cruz para o interior do hospital, sendo seguidos pela mulher de manto azul-claro. Infelizmente, já era tarde.

O céu amanheceu nublado, com pancadas de chuva e relâmpagos. 

Horas depois, a sala de espera do Hospital Sagrado Coração continuava lotada.


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