Desafio “1001 Filmes” - nos. 16 a 19 - Medley



"Uma janela para o amor" (“A Room with a view”, 1985)

Quem não gosta de um belo filme de época com belas paisagens, atores falando com sotaque afetado, gravatinhas borboleta e convenções sociais ultrapassadas? Possível resposta: eu. A dupla James Ivory e Ismail Merchant - diretor e produtor, respectivamente - , companheiros na vida e no trabalho, realizaram alguns filmes memoráveis, como “Retorno a Howard´s End” (1992) e “Os Vestígios do Dia” (1993). Criaram uma espécie de “marca registrada”, especializando-se em adaptações literárias de requinte com leve toque cômico, estilo hoje reciclado em séries como “Downton Abbey”. 

Infelizmente, “Uma Janela para o Amor”, adaptado de E. M. Forster, não está entre os melhores títulos da dupla. Sim, o elenco é estelar - Helena Bonham Carter, Judi Dench e Maggie Smith, além de Daniel Day-Lewis num de seus primeiros papéis no cinema - e a direção de arte é primorosa (venceu o Oscar da categoria), como convém a um produto Ivory-Merchant. O roteiro, porém, é vaporoso demais, as situações nunca tem grande peso dramático, e o conflito central - o romance entre Julian Sands (em atuação desmemorável) e Bonham Carter - nunca deslancha de verdade. Ao final, o que fica são as belas locações em Florença na primeira metade do filme. Os diálogos inconsequentes, porém, serão rapidamente esquecidos.

(Nota no IMDb: 7,4)



“O Segredo da Cabana” (“The Cabin in the Woods”, 2012)

Em meio a um mar de filmes de terror que se levam muito a sério, este é um bom exemplo de filme criativo e bem-humorado. Filho de Joss Whedon - um dos primeiros nerds a estourar em Hollywood, responsável pela série cult “Buffy, a caça-vampiros” e as primeiras duas partes de “Os Vingadores” - e Drew Goddard, criador da boa série do Demolidor no Netflix, “O segredo da cabana” brinca com a gramática dos filmes de terror. 

Mesmo no Brasil, clichês como uma festa de jovens tarados numa cabana isolada, e um psicopata que os mata um a um já são conhecidos há décadas. Whedon e Goddard partem dessa premissa cansada para imaginar um mundo onde esses clichês são, na verdade, produto de uma narrativa maior, ligada um pouco à mitologia e à cultura corporativa norte-americana. É difícil explicar mais sem dar “spoilers”, mas fica o alerta aos fãs do terror em busca de algo um pouco diferente: vale a pena assistir.

(Nota no IMDb: 7,0)



“Mônica e o desejo” (“Sommeren med Monika”, 1953) 

Se você leu o título e imaginou uma versão pornô da turminha de Mauricio de Sousa… vá procurar um oculista ou um psicólogo!
Ingmar Bergman comemora seu centenário em 2018 (quer dizer, outros comemoram por ele, pois o venerando cineasta sueco bateu as botas há 11 anos). Por isso, é alvo de todo tipo de retrospectiva e análise de sua obra, sendo inclusive retratado no bom documentário “Bergman - 100 Anos” (2018), no qual sua compatriota Jane Magnussom aborda o “ano mágico” de 1957, quando Bergman lançou duas obras-primas - “O sétimo selo” e “Morangos silvestres”.

Alguns anos antes de 1957, o diretor já havia despontado com “Mônica e o desejo”, exportado para os puritanos Estados Unidos dos anos cinquenta como um “pornô soft”. É um destino injusto para um belo filme, que, apesar de não contar com a densidade dramática das obras-primas lançadas em 1957 ou de “Persona” (1960) e “Gritos e sussurros” (1972), ainda é uma pequena jóia que merece ser vista a qualquer hora. 

Aqui, Bergman consegue retratar com leveza a trajetória sentimental de um jovem casal de namorados com um roteiro enxuto e uma boa dupla de protagonistas - com destaque para Harriet Andersson, que faria outras nove colaborações com o diretor. Exibindo o traquejo de um grande diretor (já tinha dirigido 12 outros longas), o sueco também já mostrava algumas de obsessões, como perfis femininos densos e as complicações de um relacionamento amoroso. 

(Nota no IMDb: 7,6)




“Straight outta Compton - a história do N.W.A.” (2015)

De modo geral, cinebiografias musicais parecem produtos feitos às pressas com o único objetivo de capitalizar a fama de seus retratados (“Selena”, 1997, e “Glitter - o brilho de uma estrela”, 2001, são dois exemplos). Não é o caso de “Straight outta Compton”, que exibe virtuosismo cinematográfico para narrar, com fogo e fúria, a trajetória de um dos maiores grupos de rap, o N.W.A., criado no final dos violentos anos 80 em Los Angeles, e onde despontaram nomes como Ice Cube e Dr. Dre.

O diretor é F. Gary Gray, que já tinha familiaridade com o tema: antes de lançar os ótimos filmes de ação “Até as últimas consequências” (“Set it off”, 1996) e “A negociação” (“The negotiator”, 1998), Gray havia dirigido videoclips para ícones do rap como Queen Latifah, Coolio e os próprios Cube e Dre, além da comédia “Sexta-feira em apuros” (“Friday”, 1995), escrita por Cube. Essa familiaridade, além do talento do diretor e da qualidade do roteiro - que se divide em vários personagens, ao longo de vários anos - só ajuda o filme, tornando o que poderia ser apenas um produto para os fãs de rap numa narrativa ágil e envolvente. 

A duração, de 2h30, é adequada para o filme, que se desenrola como um épico em que os quatro principais membros da banda se unem para cantar contra o preconceito e a violência policial sofrida pelos residentes da periferia de Los Angeles. A segurança de Gray atrás da câmera é tanta que Scorsese não teria feito melhor. Destaque também para os bons atores, como o estreante O´Shea Jackson Jr., que imita à perfeição o volátil Ice Cube. Também, pudera, trata-se do filho do rapper.

(Nota no IMDb: 7,9)

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