Desafio "1001 Filmes" - no. 15 - “As Oito Vítimas” (“Kind Hearts and Coronets”, 1949)





“É tão difícil matar pessoas com quem não se tem uma relação de familiaridade”, afirma o anti-herói Louis Mazzini (Dennis Price). No caso, Mazzini busca se familiarizar com os membros de uma família aristocrática inglesa, os D´Ascoynes, para eliminá-los um a um e abrir caminho para herdar o título de duque da dinastia. A ironia, sombria e amarga, dá o tom da frase e do filme. Trata-se de uma das maiores comédias de humor negro já filmadas, clássico do cinema britânico produzido pelos Estúdios Ealing, responsável pelo também célebre “Quinteto da Morte” (“The Ladykillers”, 1955).

Logo nos primeiros momentos, é fácil constatar o que fez de “As Oito Vítimas” um clássico que perdura 70 anos após seu lançamento. O roteiro primoroso e avançado para a época, co-escrito pelo diretor Robert Hamer, trilha a linha tênue entre a comédia e a tragédia, dando complexidade e charme ao personagem de Mazzini (a sutil interpretação de Dennis Price vai no mesmo sentido). De fato, não é todo dia que o cinema consegue nos fazer torcer pelo “serial killer”, especialmente um tão amoral e sardônico quanto o Tom Ripley dos livros de Patricia Highsmith. Também chama atenção a crítica ácida à nobreza britânica, vista como inútil e decadente frente a Mazzini, um hábil “self-made man” que ascende na sociedade por seus próprios méritos (ainda que esses méritos incluam assassinato).

Os demais atores demonstram o “timing” adequado, com destaque para a interpretação de Alec Guinness como todos os oito membros do malfadado clã dos D´Ascoynes. A multi-interpretação de Guinness, então com apenas 35 anos, tornou-o conhecido como “O Homem de Mil Faces”, pavimentando uma sólida carreira culminando com seu papel mais célebre, o de Obi-Wan Kenobi em “Guerra nas Estrelas” (1977). O feito de Guinness, porém, eclipsou injustamente a também boa atuação de Valerie Hobson como Edith, viúva de um dos D´Ascoynes e interesse amoroso de Mazzini. A atriz já era famosa, ao ter vivido o papel-título de “A Noiva de Frankenstein” (1935). Infelizmente, a atriz ganhou indesejada notoriedade em 1963, quando seu marido, um político conservador inglês, envolveu-se no escândalo sexual conhecido como “Caso Profumo”.

Outros elementos de “As Oito Vítimas”, como a montagem - que prolonga, sem pressa, a vingança de Mazzini - e a direção de arte se unem ao roteiro e aos atores para fazer do filme um dos melhores exemplos do humor cortante britânico. Mesmo uma leve queda de ritmo no terceiro ato, quando o protagonista é forçado a prestar conta de seus atos (e, mesmo assim, de forma criativa) não enfraquece a excelência do filme. 
(Nota no IMDb: 8,1)

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