Desafio "1001 Filmes" - no. 14 - “O Regresso” (“The Revenant”, 2015)
“O Regresso” lembra um filme que vi há anos, “Mais Forte que a Vingança” (“Jeremiah Johnson”, 1972), dirigido por Sidney Pollack. Neste, Robert Redford praticamente carrega o filme inteiro nas costas, semelhante a Leonardo diCaprio no filme mais novo. Os dois títulos compartilham temas: ambos se passam nas montanhas geladas da América do Norte no início do século XIX e, enquanto aparentemente tratam de vingança, na verdade são sobre a fronteira entre a civilização e a natureza.
O filme de Pollack, porém, não tem um décimo do virtuosismo técnico de Iñarritu. Não tem voos de drone na neve, nem longos planos-sequência sem cortes com lente grande angular. A duração é quase uma hora a menos que “O Regresso”. A atuação de diCaprio é muito mais realista que a de Redford, que em algumas cenas parece que acabou de sair de seu trailer, com o penteado loiro e os dentes impecáveis, enquanto diCaprio se parece muito mais com um explorador fodido no limiar do mundo conhecido, completo com boca podre e pele encardida.
Por que, então, “Mais Forte que a Vingança” é claramente superior a “O Regresso”?
Boa parte da culpa está precisamente no virtuosismo de Iñarritu. Ao contrário do filme de Pollack, a história humana de “O Regresso” fica em segundo plano, detrás da necessidade de mostrar os inúmeros sofrimentos por que passa o personagem de diCaprio em busca de vingança. Há tantos planos de árvores e vales nevados que, apesar de lindamente filmados, o filme parece um comercial longo do Discovery Channel. Em alguns momentos, o diretor parece tão ansioso em tornar a câmera uma personagem da história que acaba embaçando a lente, suja-a com poeira, neve, sangue. E tome cuspe, ossos quebrados, pus, e grunhidos, numa quantidade que, longe de nos fazer empatizar com o personagem, dele nos afasta e nos anestesia. O efeito lembra a “Paixão de Cristo” (2004) de Mel Gibson, que substitui narrativa por sangue e gritos de dor, assim como obras anteriores de Iñarritu, como “21 Gramas” (2003) e “Biutiful” (2010), onde se parece cultuar certa “pornografia do sofrimento”.
A já famosa cena do ataque do urso ao personagem de diCaprio, que desencadeia os acontecimentos do filme, por exemplo, é um longo plano-sequência em que o protagonista é atirado de um lado para o outro pelo animal furioso. Apesar de realista e tecnicamente brilhante, a cena parece querer dizer mais do que é. Pollack, em três planos com a câmera parada, teria transmitido a mesma coisa sem as papagaiadas técnicas de Iñarritu.
O recurso de chamar a atenção para a câmera foi fartamente explorado no filme anterior do diretor, o verborrágico “Birdman, ou a Inesperada Virtude da Ignorância” (2014). Naquele caso, a forma se adequava ao conteúdo, uma vez que aquele filme era um grande exercício metalinguístico ambientado no mundo atual do entretenimento. Previsivelmente, foi o grande vencedor do Oscar daquele ano (Hollywood adora falar de si própria). Em “O Regresso”, porém, o virtuosismo se choca com o ambiente arcaico da América selvagem do século XIX, resultando numa criatura estranha e tediosa. Mesmo as cenas em que diCaprio se reconecta com sua família perdida, através de sonhos, se perdem num simbolismo pedestre que ficaria bem em poemas de Manoel de Barros - almas que se transformam em passarinhos, homens em árvores, etc. -, mas que aqui destoa terrivelmente do realismo que Iñarritu nos oferece na maior parte do filme.
Economize tempo e vá assistir “Mais Forte que a Vingança”. Talvez tenha no Netflix.
(Nota no IMDb: 8,0)
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