problemas


Um dia, um homem assistia à TV deitado no sofá da sala de seu apartamento. Estava assim há horas, mas não conseguia se concentrar nos programas que passavam um atrás do outro porque o calor o incomodava, o dia estava muito quente. Havia ligado o ventilador, mas este, barato, de plástico, tinha o mecanismo de rotação enguiçado, de modo que ventilava apenas numa única direção. E o homem se via diante do dilema de posicionar o aparelho na direção do sofá, recebendo a brisa ininterruptamente, o que lhe era desagradável, ou o afastar, o que não o aliviaria do calor e seria mais desagradável ainda.

O homem ponderou esta questão, que o levou a um profundo desânimo. A tristeza tomou conta de si, mas um pensamento positivo logo apareceu. O mundo tem muitos problemas, refletiu. Este é só mais um deles. Pensou mais e chegou à conclusão de que podia resolvê-lo. Aliás, já que se dispunha a pôr a mão na massa, poderia aproveitar o ensejo e resolver logo o resto dos problemas do mundo.

Animou-se com a ideia, mas o bom-senso prevaleceu e ele pensou melhor. O mundo era muito grande. Por mais que suas intenções fossem boas – e eram – e ele fosse um sujeito razoavelmente inteligente  - e era -, seria muito difícil cumprir a meta descomunal que ele se colocava. Além disso, não conseguiria se comunicar com a maioria dos habitantes do mundo: não falava chinês, suaíli ou mesmo inglês. Aliás, arranhava o portunhol. Ou seja, não conseguiria entender os problemas do mundo, quanto mais solucioná-los.

Por outro lado, ele se comunicava razoavelmente bem em português. Por razões logísticas, decidiu se devotar a resolver os problemas do Brasil, que já não eram poucos. Pensou no que sabia sobre a saúde, política, educação, moradia, meio ambiente no País... não, definitivamente os problemas nacionais não eram poucos. “Aliás”, refletiu, frustrado, “são muitos”. Nem mesmo ele, tão bem-intencionado e inteligente, seria capaz de dar conta deles. E já havia muita gente boa dedicada a essas questões, pensou, seria muita prepotência pensar que faria um trabalho melhor do que tanta gente boa. Concluiu, sabiamente, que o melhor seria se concentrar numa área, e escolheu a educação. Tinha ouvido, afinal, que a educação era fundamental para o progresso do País, e a brasileira estava, diziam, mal das pernas. E o homem sorriu, abanando-se com uma Veja velha e pensando em todo o bem que faria, trabalhando num campo de ação onde poderia fazer a diferença.

Professores mal remunerados, falta de segurança, evasão escolar, incentivo à leitura, inadimplência estudantil, repetência, progressão continuada... não havia se passado um minuto desde que decidira se dedicar a solucionar os problemas da educação no Brasil e a tarefa já lhe parecia impraticável. Pensou melhor e resolveu, agora de forma definitiva, dedicar-se a melhorar uma única escola. Dessa forma, tinha certeza de que poderia cumprir a tarefa. Investiria tempo e dinheiro em transformar uma escola. Claro, isso estaria longe de resolver todos os problemas, mas ajudaria um monte de pessoas. E seu exemplo poderia inspirar outros a seguir o mesmo caminho. Sim, senhor! Escolheria a pior escola do bairro e não descansaria até tornar esta um modelo para a cidade, com as melhores instalações e os melhores professores.

A não ser que precisasse reformar a escola. Não sei nada sobre construção, o homem pensou, vou acabar gastando tudo o que tenho e a escola vai continuar horrível. Pensou em ajudar na pintura da fachada, ou contratar novos professores. Mas... o que ele sabia dessas coisas? Mudou de ideia e decidiu, vou ajudar um aluno. “Será ótimo, posso fazer isso”, pensou. “Sou mesmo muito generoso”.

Mas a pulga voltou a mordê-lo atrás da orelha: o aluno deve ter muitas carências. Deve precisar do dinheiro do ônibus para a escola, de uniforme. A formação que teve em séries passadas provavelmente não seria suficiente e ele acabaria tirando notas baixas. Pensou que seria fútil ajudar um aluno, era um fardo grande demais para carregar. Exceto se ele pudesse ajudá-lo numa única matéria. O homem refletiu um pouco e decidiu que, ao menos, auxiliaria um aluno em uma matéria. Poderia dar aulas de reforço em matemática ou geografia, tudo menos inglês... poderia ajudá-lo por duas, talvez uma hora por semana, ensinando geografia ao aluno em sua casa. Era uma boa ideia. Seria uma baita ajuda.

O homem imaginou o aluno chegando a sua casa, sentando-se à mesa da cozinha, arrumando seus livros. Provavelmente reclamaria do calor, afinal, estava tão quente. E ele, o homem, não saberia o que fazer, graças àquele ventilador quebrado seu apartamento estava um forno, era impossível pensar em ensinar alguém naquelas circunstâncias.

Olhou para o ventilador. Com esforço, levantou-se do sofá, estalando os ossos, e caminhou até onde estava o aparelho. Torceu a cabeça de plástico algumas vezes até que, para sua felicidade, o troço começou a rodar sozinho. O homem voltou para o sofá, deitou-se na mesma posição de antes e continuou a assistir à TV, feliz por sua capacidade de resolver problemas.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A educação pela pedra

. . .

o campeão