16 de maio


Estou andando na calçada e de repente uma bicicleta encosta ao meu lado. O condutor é um cara da minha idade, barba, óculos, jeito de professor universitário. Apesar da abordagem abrupta, fala em tom tranquilo, assertivo mas calmo, a postura amistosa.

Olho-o com o olhar benevolente dos que interrompem o que estão fazendo para dar direções. Mas ele não quer direções: sabe muito bem para onde vai.

- Conhece Michel Temer? - dispara, sem preliminares.

- Conheço. - respondo.

- É um golpista. Tomou o poder. Mas vamos tirá-lo de lá.

- Entendo.

- É um traidor. Ele e o partido dele. Ficaram anos esperando a hora certa de dar o bote. É como uma mulher que trai o marido.

- E que marido. - replico, também calmo e assertivo. - Se uma mulher trai o marido depois de um casamento de 14 anos, fico pensando que há alguma coisa errada nessa relação.

Sua euforia arrefece. Provavelmente pensara que seria recebido pelo incauto pedestre com um abraço e uma palavra de ordem. Mas não tenho tempo para essas coisas. Aliás, se viesse com algum argumento a favor de Temer, eu também o rebateria. Sou desses apaixonados pelos contrários.

- Não, foram só seis anos. - diz. Parece confuso.

- Usando sua metáfora, parece-me que o marido tem ganas de ser corno.

- Temer é golpista. Vamos tirá-lo. Bom dia. - murmurou, pedalando para longe.

Começo a pensar, também eu queria ter uma bicicleta. Para chegar mais rápido onde quero chegar. Mas o problema é que não sei onde quero chegar. E, começo a desconfiar, talvez nem meu amigo ciclista saiba. 


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