capitalismo



- Duas picanhas completas e seis porções de coração de galinha!
- Três pudins! Três filés à parmegiana, tamanho colosso!
- Uma porção de arroz à piamontesa! Pra já!
O homem de terno entrou no restaurante sem cumprimentar os garçons e seguiu direto para a sala da gerência, num canto do salão distante dos comensais. Os funcionários o conheciam bem.
- Seu Flávio, que prazer revê-lo! - mentiu o gerente, convidando-o a sentar-se. Fechou a porta em seguida, não sem antes se certificar se havia alguém próximo que pudesse entreouvir a conversa.
- Como vai, Rubens? - murmurou o homem de terno.
- Tudo bem, graças a Deus. O negócio está de vento em popa.
- Eu vi. Casa lotada, hein?
- Seu Flávio, esse churrasqueiro que nós contratamos... vou te contar. Já ouvi gente dizendo que vamos tirar o prêmio de melhor churrascaria da Vejinha. Outro dia, o Abílio Diniz veio aqui com a família, seu Flávio. A Luana Piovani. Olha, a gente tá pegando fogo.
- De fato, Rubens, o sucesso do restaurante não escapou dos olhos do meu chefe.
- Que bom! E ele deve estar feliz, não?
- Não. Está furioso.
Rubens olhou o homem de terno, desnorteado. Afundou na cadeira, a euforia desaparecida do rosto.
- Mas... por quê?
- Meu bom Rubens, você deve se lembrar do dia em que o contratamos para administrar este estabelecimento.
- Lembro muito bem. Naquela época, isto era uma espelunca. Ninguém vinha aqui.
- Então também deve se lembrar do motivo pelo qual esta churrascaria foi comprada. Desde o começo, nós deixamos muito claro ao senhor que a existência do restaurante se prestava meramente a auxiliar nosso chefe a deslindar a... digamos, a natureza contábil de seus outros negócios perante as autoridades fiscais e policiais de nosso amado país.
- Sempre soube disso, seu Flávio. Mas...
- Como pode imaginar, porém, tal função pode ser cumprida a contento apenas caso o estabelecimento mantenha um perfil discreto, de modo a não atrair a atenção das mencionadas autoridades. 
- Posso só fazer uma...
- Naturalmente, o senhor há de convir que a publicidade gerada pela presença da Luana Piovani, prêmio da Vejinha, etc. etc. não só frustraria esse propósito como poderia instigar a Receita, a Polícia Federal e Deus sabe quais outras instâncias investigativas de nossa gloriosa República a analisar com minúcia os registros contábeis das outras atividades a que se dedica nosso empregador.
- Eu entendo, seu Flávio. A coisa é que...
- Creia-me, eu pessoalmente admiro seu tino para os negócios e o sucesso que conquistou em tão pouco tempo. Parabéns, de verdade. Por outro lado, é essencial que não percamos a perspectiva do que este estabelecimento representa. - finalizou, erguendo-se da cadeira e abotoando o paletó. - Demita o churrasqueiro, Rubens. O brasileiro está muito gordo hoje em dia. É bom deixar de comer fora, desse jeito ele emagrece, economiza...
- Sim, senhor.
Flávio puxou um gordo envelope do bolso peitoral e o depositou diante do gerente.
- Um bônus do chefe. Não fique assim. Você ainda vai ser capa da "Pequenas Empresas, Grandes Negócios", vai ver. 

Partiu, afinal, da churrascaria, deixando para trás um cabisbaixo Rubens.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Desafio "1001 filmes": 44 a 48

A educação pela pedra

. . .