o jogo

A caravana de um sábio persa, a caminho do Gujarate, e a de um embaixador indiano, a caminho de Khorasan, cruzam-se na metade do caminho, às margens do Amu Darya. Os dois homens se abraçam e beijam-se, como se fossem velhos conhecidos.
Imediatamente, decidem pousar a noite nas terras de um senhor da guerra. À luz do fogo ancestral, trocam histórias sobre santos sufis e imperadores que reinaram muitos séculos antes de Alexandre.
Para passar o tempo, o indiano retira do alforje um tabuleiro de satranç, jogo das terras hindus que o persa conhece profundamente, e começam a jogar.
As partidas se sucedem em ritmo enfurecido, com os dois exímios duelistas a ganhar e perder na mesma proporção, sem que um obtenha vantagem considerável sobre o outro.
- Sabe, Excelência - diz, a certo momento, o sábio persa -, o satranç é conhecido como a mais perfeita simulação da guerra. Há o rei, que deve ser protegido pelos peões e cavalos, e os bispos, em eterno conflito com as torres. E a rainha, que rege, imortal, os desígnios do tabuleiro. Já dizia o Profeta (que a Paz esteja com ele) que a forma mais perfeita da guerra é a Vida; a jihad interna, a disputa entre o bem e o mal que grassa no coração dos homens.
- Meu amigo fala com sabedoria, responde o embaixador indiano.
- Mas há um jogo ainda mais perfeito do que o satranç.
- E que jogo seria esse? - pergunta o indiano.
- Trata-se do nard. O jogo persa que os francos chamam de gamão...
- Conheço o nard. Mas por quê este jogo seria mais perfeito que o satranç?
- Porque, Excelência, ele representa um reflexo ainda mais refinado da vida. E a perfeição de um jogo deve ser medida pelo seu grau de aproximação com a vida humana, que é, afinal, o jogo supremo.
- Concordo. E por quê, pergunto-lhe, ele se aproximaria mais da vida?
- Porque ele inclui um aspecto fundamental que o satranç não possui. O satranç, como sabe Vossa Excelência, submete-se unicamente à estratégia dos jogadores. Os movimentos do nard, por outro lado, dependem do lançamento dos dados, ou seja, da sorte, do destino. E a vida depende da sorte como o homem da água.


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