vinho


Em seu aniversário de setenta anos, Alexandre Boaventura Polidoro convidou a família para jantar no restaurante mais caro de São Paulo. Veio muita gente.

Após a lauta refeição, Polidoro pediu a palavra. Imediatamente, um dos garçons aproximou-se com uma garrafa de vinho, que o aniversariante tomou nas mãos.

- Este vinho - disse - foi comprado pelo meu pai no dia em que nasci. É caríssimo, um bordeaux envelhecido. Durante todos estes longos anos, ele viveu o que vivi. Viu o Brasil de minha juventude. Um país de gente honesta e trabalhadora, de gente de bem, de família. Temente a Deus. Refinada, culta. Um país onde cada um sabia o seu lugar. Havia paz e ordem nas ruas, porque cada um sabia o seu lugar. Cada um conhecia sua tarefa e dela não reclamava. Não havia essa confusão de hoje, essa revolta. A pessoa podia ser pobre, mas era feliz. Quando o rapaz alcançava certa idade, ele se casava e constituía família. A esposa permanecia ao seu lado, para confortá-lo nos momentos difíceis e para cuidar dos filhos. Podem me chamar de antiquado, mas o Brasil era assim e era uma maravilha.

- Hoje, porém, ninguém sabe seu lugar. Impera a confusão. A pobreza, a falta de educação, viraram motivo de orgulho. Querem que eu ache que o porteiro é igual a mim, que marginal é igual a mim, que tem os mesmos direitos. Mas não é verdade. Os comunistas tentaram vencer o mundo livre pelas armas. Quando não conseguiram, começaram a plantar a revolta na cabeça dos brasileiros. Hoje, todo mundo se acha cheio de direitos. Falam em direitos humanos de gay, de bandido, de assassino. Falam em igualdade racial e igualdade dos sexos. Mas, e os meus direitos? Onde está o meu direito de não ter meu neto vendo um homem beijando outro homem na televisão? Onde está o meu direito de disciplinar minha empregada quando ela faz uma besteira? Onde está o meu direito de não querer que se implante o comunismo no meu país? Onde está o meu direito de não querer que minha neta namore um marginal? Mas! Todos se acham igual a todos. Porque não sabem seu lugar.

- Há cinquenta anos, um grupo de homens tentou botar ordem nas coisas. Afastaram os comunistas do poder. Por um tempo, deu certo. Usaram força contra força, nos salvaram do terror. Impediram que o Brasil se transformasse numa Cuba. Hoje, porém, esses homens são vilipendiados, massacrados em praça pública. Ora! Porque quiseram punir os maus, salvar a gente de bem. Quem foi preso e apanhou, é porque tinha culpa no cartório. Mas, agora, os comunistas voltaram. E botaram tudo de cabeça pra baixo. O herói virou carrasco e o bandido, herói. Está tudo ao contrário.

- Não reconheço meu país. Mas reconheço vocês, meus filhos e netos. E reconheço esta garrafa. Ela permaneceu a mesma, como eu. Herança de um Brasil bom. Se não tenho esperança no futuro, pelo menos posso me apoiar na glória do passado.

Sob as palmas da família, Polidoro mandou que servissem o vinho. Quando as taças de todos estavam cheias, ergueu a sua num brinde:

- Viva o Brasil!

- Viva!

Cuspiu a bebida tão logo a colocou na boca. Avinagrara-se. 





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