osvaldo
- Tragam-no aqui! - ordenou o Presidente.
Quase de imediato, seis mãos arrastaram, para dentro do gabinete, um homem franzino, vestindo bermudas e com um boné enterrado na cabeça, a pele escura, os olhos castanhos e assustados. Puseram-no de pé diante da mesa de mogno, detrás da qual pairava a silhueta imensa, arqueada, suprema, do Presidente.
- É este?! - vociferou o Chefe de Estado.
- Sim, senhor. - sussurrou, com malícia, o Ministro da Justiça.
O recém-chegado, tremendo como vara verde, nem sabia onde pousar os olhos, tão atarantado estava. O Presidente, modulando seu vozeirão, tentou soar magnânimo:
- Calma, rapaz. Não há motivo para ficar nervoso. Somos todos iguais aqui.
- S-s-sim S-S-Senhor, o-o-obrig-gado, Senhor.
O Presidente perguntou qual era o nome da criatura.
- Osvaldo Povo, Excelência - sussurrou o Ministro -, também conhecido como O. Povo.
- O. Povo, hein. Já ouvi falar muito de você. - disse o mandatário, sorrindo, a dentadura perfeita. - Sabe, imaginava-o mais gordo. Mais saudável.
Povo abriu a boca para falar, exibindo três dentes na gengiva superior e dois embaixo:
- N-não t-t-tenho c-comido muito, Senhor.
- Fico feliz em conhecê-lo. Estamos todos aqui por sua causa, sabia?
- É-é?
- Claro. Não é, Ministro? - o Ministro da Justiça assentiu, brejeiro. - Se estamos aqui, se a Nação existe, é por obra sua.
Osvaldo sentiu suas faces se aquecerem, sem saber o que dizer.
- S-sou um homem s-simples, só.
- Bobagem! Parece que ignora a importância que tem! Por acaso não sabe das coisas que foram feitas em seu nome? Coisas terríveis... coisas terríveis e maravilhosas. - acrescentou rapidamente, ao vislumbrar, pela janela, a fileira de prédios públicos da capital, seus ocupantes entrando e saindo ininterruptamente, em moto-contínuo.
- Não s-sei, não, Senhor.
- Foram muitas coisas, Povo. Passou muita água por debaixo da ponte. - disse, e apoiou o queixo nas mãos. Refletiu por alguns momentos. Sua atenção pareceu voltar-se para outras épocas, para sons de batalhas, gritos de homens, mulheres e crianças. Logo em seguida, porém, acordou do estupor. - Realmente imaginava-o com melhor aspecto.
- D-desculpe.
O Presidente deu um tapa na mesa. Agradeceu a presença de Osvaldo e, quase de imediato, seis mãos o arrastaram para fora, antes que ele tivesse qualquer chance de dizer alguma coisa.
- Meu caro Ministro, anote. Vamos fazer um discurso sobre O. Povo. Um grande discurso. Vamos dizer tudo o que temos feito por ele, e como seu bem-estar é a nossa única preocupação. Coloque que acho O. Povo um grande camarada. Grande mesmo, assim, um colosso. O maioral. Olha, Ministro, eu digo pra você, sou capaz de dar minha vida por ele.
- Eu também, Excelência, eu também.
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