alvorada
Alvorada,
sei que estás de invejinhas com Crepúsculo... Continuas a dar corda ao teu
irmão, que se supera, noite após dia, em fornecer grandiosos espetáculos para
nossos olhos mortais, que já não sabem apreciá-los... por isso, conspiras com Lua e Sol, para que adequem o compasso, para que possas surgir, fulgurante,
por entre as nuvens e as montanhas. Em seguida, anseias para que, ao final da
jornada do deus Hélio pelo céu, a lembrança da tua prodigiosa aparição não
seja ofuscada por mais um genial feito de Crepúsculo.
É
compreensível. Caracteriza-se a natureza dos irmãos pela mútua disputa rumo à
glória, como competem gêmeos por espaço no ventre materno. Suplico, porém, que
vocês dois não repitam o ocorrido certo dia, milênios atrás, quando brigaram
pela ascendência no firmamento. Certamente V. Senhoria se recorda das grandes
tribulações que nos fizeram passar. O Sol nasceu por três vezes; a Lua,
coitada, por quatro. Não sabes a crise que provocaram no andamento do ciclo
metabólico das criaturas terrenas. As nuvens se recolheram, exaustas, e os
babilônicos, assombrados, pensavam testemunhar o fim do mundo.
Por
isso, amiga Alvorada, a ti imploro, confina teu surgimento diário às horas
pré-estabelecidas e não mais entre em rixas perigosas com teu irmão. Caso
concretizes meu pedido, verás como continua amada por todos os homens, talvez
até mais do que Crepúsculo, cuja imensa beleza não esconde certo sentimento de
melancolia, que invade quem se depara com a aquarela dourada e moribunda deste
no horizonte.
Cá entre nós, acho-te mais bonita.
Após uma noite de libações e de muitos amores, é a ti que mais desejo. São teus
braços que mais anseio sentir envoltos ao redor do meu corpo, são teus raios e a tua
verdade que quero sentir dissipando minhas dúvidas. São tuas cores e tua luz,
teu cheiro de orvalho, a tua sabedoria brincalhona, que me ajudam a conferir à
vida um novo início, onde, horas antes, Crepúsculo havia decretado uma morte
lenta. Quando despontas no céu, tudo é possível, pois o dia revela as
maravilhas que a noite transmuta, e precisamos das duas para fazermos sentido.
Por tais motivos, Alvorada, encerra
a tua pausa. Pouso meu copo sobre a mesa e fito a janela, ávido por ti. Finda
tua prima Madrugada, despede-te de Lua e convoca Sol, vem ver quanto mudou na
tua ausência, oferece uma faísca de esperança, ainda que vã e fugaz, para mim,
e vem clamar mais uma vez a voz dos homens, que repetem: “Mas como é linda!”
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