países como gente




Em 1570, o cartógrafo alemão Sebastian Munster produziu um mapa que exibe o continente europeu sob a forma de uma rainha, com os reinos da época a representarem partes do corpo (o mapa pode ser visto aqui). Aproveitando-se da mui privilegiada posição de Portugal na carta - o cimo da coroa - e professando sua crença no glorioso futuro da nação lusa, Fernando Pessoa reciclou o conceito de Munster no poema “O Dos Castelos”:
“A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
(…)
O rosto com que fita é Portugal.”
Ambos Pessoa e o cartógrafo germânico usaram de uma idéia em voga na época: a antropomorfização das nações, ou seja, a representação de países como seres humanos, nas artes e no discurso. Penso nisto por um segundo. Um país pode ser considerado uma pessoa? É óbvio que não. Um Estado é composto por um território, um governo dotado do monopólio legal da força e uma população de milhares de pessoas. Em princípio, seria um absurdo comparar um país a um indivíduo, que funciona alimentado por impulsos  e condicionado por fatores totalmente distintos aos de uma coletividade.
Ainda assim, fazemos tal comparação o tempo todo. Quantas vezes publica-se expressões como “este país está doente”, “a jovem nação”, “o governo de tal e tal precisa andar com as próprias pernas”…? De modo semelhante, o Império Otomano, por sua vez, era referido no século XIX como “o Grande Enfermo da Europa”; e há uma infinidade de exemplos de charges humorísticas que se utilizam, se não dos próprios mapas dos países, de seus símbolos mais reconhecíveis (o Tio Sam para os Estados Unidos, um dançarino de tango para a Argentina, um beduíno para os países árabes e assim por diante) para corporificar toda uma nação e, dela, fazer troça.
Não sei se antropomorfizamos (só a palavra, admito, já dá preguiça de ler o resto) os países para facilitar nosso discurso, ao reduzir uma nação inteira a um ser com características que todos nós partilhamos, ou se apenas para prosseguir com a psicótica compulsão de achar que o Universo foi criado à nossa imagem e semelhança. Deixo a explicação para os sociólogos. O que me interessa aqui é perguntar se, caso um país pode ser representado por uma figura humana, ele também pode nascer, viver e morrer como um ser humano. Em outras palavras: um país segue uma trajetória semelhante a de um homem?
Não creio.
Uma nação não nasce. Ela já existe. Sempre existiu. Pode evoluir de tempos em tempos, crescer e diminuir, mudar sua forma de governo, mas jamais é apagada por completo das páginas da História, como quer nos levar a crer a Bíblia quando fala de Babel e Gomorra. Civilizações “desaparecidas”, como os assírios e os antigos egípcios, não viram suas populações dizimadas da noite para o dia; de certo modo, elas sobreviveram por casamentos inter-tribais, pela preservação de suas leis e obras de arte; suas lendas permeiam a memória coletiva de multidões, se não no território que originalmente habitaram, então em paragens longínquas, reinterpretadas por estudiosos e recriadas por contadores de histórias. 
Nações pertencem ao fluxo contínuo e eterno da História, os homens não. Nascemos, vivemos e morremos. O máximo que podemos ambicionar é alguma posteridade.



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