vai, princesa



Vai, princesa,
continua o jogo de doninha.
O cenho torto e o beiço envenenado,
a arrogância a mascarar teu olho apavorado.

Desde já te digo,
cairás, Caifás de saias.

Teu peito rijo que a tantos delicia,
formosa alvura já deveras marombado,
despencarás no abismo onde despencaram os outros peitos.
Túmulo da vaidade a quem tanto com tão pouco se pensava.

Tua cinturinha de pilão servirá de discussão em mesas de bar, somente
a velhos barrigudos e saudosos, senis demais para se lembrarem de como eras realmente.
Aí também os lipídios do destino hão de cobrar sua dívida amarga.
Sairás desta muito mal, avara.

E estes olhos, cor-de-tudo, matéria-do-Universo?
Estes sofrerão o declínio mais triste,
Colecionando as manchas que ao tempo resistem,
sem bisturi ou mandinga que possa poupá-los da ruína.
Desmentirão tuas mentiras como um amuleto iluminado.

E quando já estiveres nos anos muito introduzida,
prostrada ao meio-fio, súbita, seca, derrotada,
as capas de veludo-pele todas descascadas,
a cabeça turva de frustração e agonia,
o éter a preencher o vazio onde, antes, belos moços desfilavam,
o riso oco à distância das tuas aias
(estas que jamais foram tuas amigas de fato),
os sinais trocados das leis da picardia,
a inversão fatal das afinidades eletivas,

hás de lembrar de mim estas palavras.

Nos encontraremos sentados à margem da Avenida.
Alta madrugada. Noite trincada. Cansaço.
Me fitarás com uma doçura que, em juventude, desprezavas
e pedirás um cigarro, um sorriso, um fiapo de cuidado.
Somente aí então entrarei na tua vida
para sair em passo acelerado, na hora sucessiva.

Não te ofertarei a fatura dos teus danos,
pois a cada um cabe o que é de cada um apenas.
Simplesmente partirei, te deixando a contemplar
o preço dos teus atos, com puro fel alimentados.

Comentários

  1. Lembrou-me de uma frase de algum personagem da Ilha do Dia Anterior, do Eco. Era algo como: essa beleza não passa de um cadáver disfarçado pelo favor do tempo.

    Genial, Diogo!

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