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Pressionando uma mão contra o amplo peito, Rosaura tenta lembrar como se respira. Com a outra, aperta o cabo da faca de cozinha. Segura com firmeza, como se esse simples gesto pudesse fazer evaporar o perigo sob o qual se encontra.

Atrás de si, Gleice agarra firme na barra da sua saia. Os olhos da filha, como os de Rosaura, estão fixos na janela do barracão. A menina teme por um instante que alguém ouça as batidas descompassadas do seu coraçãozinho.

É estranho. O morro, que naquela hora normalmente exala alarido em forma de algazarra de criança, conversa, rádio alto, pregão do vendedor de gás, cala-se. Se prestar atenção, é até possível que Rosaura ouça o piar dos passarinhos que foram sua infância.

Mas ela agora não dá a mínima pros passarinhos. Este é um silêncio que precede a morte. Um bufar de narinas ressoa do lado de fora. As duas tremem, e Rosaura segura ainda mais o peito, e agarra mais forte a faca. É ele.

Passa pela janela lentamente a forma descomunal de um boi preto, é mais pantera que boi, uma unha de Deus, de pernas e dorso musculosos além do que seria natural, inaugurados por um par de chifres tão altos e pontudos que ultrapassam qualquer naturalidade. Projeta sua cabeçorra para frente: e os dois glóbulos muito brancos a que chamar-se-iam olhos, com as auréolas vermelhas das retinas à mostra qual albino, perscrutam tudo o que se vê e o que se sente. O pretume da sua cara bovina e mortífera enegrece o dia.

Fita dentro do casebre, procurando meninos que tenham medo de careta. E Rosaura, navegando no oceano de medo, lágrimas a brotar dos olhos, percebe que sua infância não foi só passarinhos.


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