áfrica

Encontro um objeto quase esquecido no fundo da mochila. É um chaveiro de madeira, esculpido no formato do continente africano. Apesar de ter sido comprado em Cotonou, é presente de amigo que mora em Dacar.

Surpreso de encontrá-lo ali, examino o chaveiro atentamente. Sua madeira escura e lisa não tem maiores detalhes, nenhuma falha. O contorno traçado a faca é, no entanto, muito interessante. Não se trata de uma reprodução perfeita do contorno da África. A forma é delgada em demasia, de modo que o Magrebe está muito espremido e o Sudão, muito alongado. A Eritréia foi esticada até o limite do impossível, sua costa reduzida a duas curvas de razoável tamanho. O Chifre parece um nariz, correndo em linha reta de volta ao continente ao invés de curvar-se para baixo, tal gancho. O Quênia, a Tanzânia e Moçambique se transformaram em três protuberâncias de cima abaixo, de tamanho decrescente em escada. Naturalmente, por se constituir de uma peça inteiriça, estão ausentes as ilhas de Madagascar, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, e também a Guiné Equatorial foi desprovida de sua capital, a insular Malabo. Consequencia do estreitamento continental, a África do Sul virou um cotovelo pequenino. A Namíbia, Angola e a costa do Congo - mas apenas a sua costa, pois é impossível apagar o Congo, a África sem Congo não é África - viraram, novamente, uma escadinha ondulada. A Nigéria, o Togo, a Guiné, o Benin, a Costa do Marfim, enfim, foram achatadas, numa planície infindável que só cessa com uma leve curva que representa a Mauritânia inteira. O Marrocos virou um leve cocuruto de monge franciscano, a Argélia, uma longa linha que muda de direção num ângulo suave. A Líbia, finalmente, tem seu Golfo de Trípoli trespassado por um parafuso de metal, que abriga, por sua vez, uma argola dupla para inserir as chaves (e que dá o chaveiro a sua razão de ser). Em seguida, há apenas um Egito tímido, sem Sinai - como se o tivesse novamente perdido para os israelenses -, que logo dá lugar à maior Eritréia do mundo.

No chaveiro não cabem o povo, as cores, as paisagens, os tiranetes, os céus, os animais, as alegrias e tristezas d´África. Mas me fazem lembrar deles, então para mim é como se coubessem.

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