1001 Filmes: de 69 a 73




69) "O rei de Nova York" ("King of New York", 1990)

 Muita gente não gosta do diretor Abel Ferrara, o que é perfeitamente compreensível. Às vezes, ele parece tentar emular Martin Scorsese, outro diretor ítalo-nova-iorquino que se dedica a retratar os marginalizados da sociedade. Por outro lado, Ferrara frequentemente consegue ser mais visceral do que o diretor de "Touro Indomável": seus personagens são alucinados e desenfreados como um porre de uísque. Onde Scorsese demonstra poesia, Ferrara enfia a faca. É assim em "Vício Frenético" (1992), quando dirigiu Harvey Keitel numa das melhores atuações masculinas do cinema americano, e é assim em "O rei de Nova Iorque".

 O filme sofre de alguns clichês do cinema policial americano dos anos 80, como personagens unidimensionais, saltos inexplicáveis no roteiro e aquela saxofone infame na trilha . Ainda assim, Ferrara e o roteirista Nicholas St. John, parceiro em outros filmes do diretor, conseguem construir um protagonista interessante, o gângster Frank White - interpretado magnificamente por Christopher Walken -, que sai da prisão decidido a se redimir de sua vida de crimes. No meio de conflitos com a polícia e outros gângsteres, White/Walken mantém uma aura de melancolia, um sentimento de fatalidade que só se resolverá na brilhante cena final. Mais uma vez, Ferrara e Walken entregam uma brilhante atuação masculina no cinema, num cenário de uma metrópole doente que lembra "Viver e Morrer em Los Angeles" (1985), de William Friedkin. Se os personagens secundários fossem melhor desenvolvidos, talvez "O rei de Nova York" fosse um policial tão memorável quanto o filme de Friedkin.




 


70) "Irene, a teimosa" ("My man Godfrey", 1936)

 Apesar da tradução bisonha do título, "Irene, a teimosa" tem seu foco dramático em Godfrey (William Powell), um cavalheiro de bons modos que vive num lixão. Quando Irene (Carole Lombard, comediante de talento que infelizmente morreu num acidente aéreo, poucos anos depois), uma socialite entediada, emprega Godfrey como seu mordomo, o cenário está armado para altas confusões. "Irene, a teimosa" é um dos melhores exemplos do gênero de comédias "oddball" que tiveram destaque na Hollywood dos anos 30 e 40, conhecidas pelos diálogos rápidos e personagens pitorescos ("Levada da breca", de 1938, e "Jejum de amor", de 1940, são outros exemplos notáveis). As piadas são excelentes, ousadas para a época, e os atores estão muito bem em seus papéis. É difícil encontrar uma comédia que faça rir mais de 80 anos depois de lançada, mas esta consegue o feito.



 


71) "O ladrão de cavalos" ("Dao ma zei", 1986)

Produção chinesa que retrata um clã de nômades no Tibete. Teria sido fácil para o diretor Zhuangzhuang Tian descambar num drama de propaganda oficial, com imagens bonitas das montanhas tibetanas. Porém, "O ladrão de cavalos" é muito mais do que isso: filme de pouquíssimos diálogos, suas imagens encantam e perturbam, lembrando filmes como "A cor da romã" (1969) e "Primavera, verão, outono, inverno... e primavera" (2003), em especial este último e seu subtexto budista. O fiapo de história - um ladrão de cavalos é forçado por seu clã a se exilar, desencadeando uma jornada espiritual - serve para apresentar metáforas visuais de grande potência, que lembram os melhores momentos de Tarkóvski. Um filme memorável.

 

72) "Me chame pelo seu nome" ("Call me by your name", 2017)

O italiano Luca Guadagnino já havia feito o belíssimo "Um sonho de amor" (2009), no qual a maravilhosa Tilda Swinton interpreta a esposa de um industrial que se apaixona pelo jovem amigo de seu filho. Vários temas deste filme - o despertar inesperado do amor, metáforas da natureza, um entendimento sereno e maduro do que é o amor - se repetem em "Me chame pelo seu nome". Aliados aotalento do diretor estão o veterano produtor e co-roteirista James Ivory (especialista em dramas românticos, como o "Os vestígios do dia", 1993, e "Retorno a Howard´s End", 1992, e outros)  e o co-roteirista André Aciman, autor do livro homônimo.

"Me chame pelo seu nome" representa a culminação desses talentos numa pequena jóia de filme, humano ao extremo. O despertar da sexualidade e da atração do jovem Elio (Timothée Chalamet) por Oliver, um homem mais velho (Armie Hammer) é retratado de forma gradual e graciosa. O tema principal aqui não é tanto a homofobia (apesar dela estar presente na repressão de Oliver), mas os desencontros do primeiro amor, intenso porém fadado a não durar, reminiscentes dos melhores filmes humanistas dos anos 70. 

 

73) "Quadrilha de sádicos" ("The hills have eyes", 1977)

Terror é um dos meus gêneros favoritos, mas, convenhamos, há muita porcaria nele que se reveste do selo "cult". Acho exagerado, por exemplo, o "status" que Wes Craven conquistou. O diretor demonstrou criatividade em "A hora do pesadelo" (1984) e "Pânico" (1996), mas seus filmes envelheceram mal e se perderam numa infinidade de continuações, ajudando a esgotar as convenções do terror - em termos de música, estilo de atuação e cenografia, por exemplo - que o próprio Craven ajudou a criar. Nesse sentido, acho-o bem inferior a John Carpenter e Sam Raimi, para citar dois de seus contemporâneos.

"Quadrilha de sádicos", por exemplo, é um de seus títulos mais incensados por seus fãs, mas que inspira mais tédio do que medo. A sinopse é boa - família fica presa no meio do deserto e é vítima de um clã de selvagens -, mas as cenas de terror são desajeitadas e os atores, bem ruins. O filme funciona como um grande anti-clímax, sem que a criatividade na fotografia e na montagem consigam compensar o baixo orçamento (ao contrário, por exemplo, do clássico "O massacre da serra elétrica", de 1974). "Quadrilha de sádicos" é mais um filme "cult" de terror que não merece a fama que tem.  




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