(para saber mais sobre o desafio, clique aqui ) Desvelado em exaustivas sete horas e trinta minutos, denso e arrastado, este filme deve ser uma grande experiência para assistir no cinema. Vi-o durante três ou quatro dias, no sofá de casa. Suas imagens ecoam em minha cabeça. O diretor húngaro Béla Tarr habita uma dimensão imagética muito própria, como Kubrick e Tarkovski. Menos um diretor narrativo que visionário, seus poucos e longuíssimos planos-sequência parecem usar a história adaptada do livro homônimo de László Krasznahorkai (que assina o roteiro com Tarr) como desculpa para construir um filme que grita CINEMA em letras maiúsculas. Seus planos arrojados, que “cortam” dentro da cena (a câmera se aproxima para o “close-up”, afasta-se para um plano de paisagem, roda num “dolly” em torno dos personagens, etc.), fazem extenso uso de 100 anos do vocabulário cinematográfico, sem concessões para planos-detalhe ou o esquema cansado do plano-contraplano do cinema indu...
Fio-me na horrenda conclusão de que eu me basto. Recuo de terror, me engasgo, ergo o mastro, estendo o picadeiro, congregando em mim mesmo meus mágicos, minha linda equilibrista sobre o cavalo, meu mestre-de-cerimônias, meus palhaços. Repentinamente, inicio o ato e não mais me encontro. Distante da tenda, os ventos uivam para além da música, para além do carnaval e da picardia, do sorriso das crianças, da pipoca. Um deserto me assombra em torno dessa ilha de alegria. Infindas paragens. Desmonto a tenda. O circo viaja ao redor das devolutas paisagens, meninos desgarrados juntam-se à caravana, velhos trapezistas são deixados à beira da estrada. O engolidor de facas se amasia com a mulher barbada e abandonam o ato, muitos outros se intercambiam nessa nau dos insensatos, e tudo em mim. Circo de mim caminha. À noitinha, inicio o espetáculo, combatendo os holofotes a treva densa, a fanfarra contra a paz de tudo o que é morto, a algazarra dos santos beberrõ...
Há livros que representam verdadeiros pontos de inflexão em nossa vida cultural. A leitura d´“Os sertões” de Euclides da Cunha foi, para mim, um desses marcos. Tudo no livro é antológico: a linguagem cientificista, tão em voga na época do lançamento e que Euclides eleva ao ponto da excelência poética; a descrição detalhada da geografia do sertão e da formação humana do sertanejo, culminando na crônica da Guerra de Canudos; e o testemunho pessoal do autor, que, longe de corroborar a narrativa oficial de civilização “versus” barbárie, levanta numerosos pontos de interrogação sobre o embate entre soldados e jagunços. Ao final da leitura, eu havia chegado à conclusão que Euclides tinha esgotado o assunto. Pensei que ninguém teria a maestria necessária para retratar novamente o conflito em Canudos com o mínimo de talento que o tema exige. Felizmente, eu estava enganado. Foi necessário um peruano para dissecar, desta vez no âmbito ficcional, o episódio ocorrido no sert...
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