Desafio "1001 Filmes" - no. 12 - “O Homem de Mármore” (“Czlowiek z marmuru”, 1977)



O comunismo foi bom ou ruim? Para perguntas medíocres, respostas medíocres. Os detratores do regime que chegou a governar metade do mundo lembrarão automaticamente dos mortos nas gulags, da perseguição política e da repressão cultural. Seus defensores apontarão os avanços na educação e saúde em alguns países, no desafio ao materialismo e no apelo à fraternidade entre os povos. Mas a complexidade de um regime político não cabe no simplismo de uma resposta maniqueísta: é necessário estudar, debruçar-se sobre números, ler, discutir, antes de vociferar meias-verdades nas redes sociais. A verdade pode residir num campo ou no outro, mas certamente não está em nenhum dos extremos do espectro.

O polonês Andrzej Wajda (1926-2016) era um diretor que não acreditava em respostas medíocres. Boa parte de seus filmes se debruçava sobre um assunto caro aos artistas que operavam sob o comunismo, o exercício do poder de poucos sobre a massa, e ele examinava bem as ambiguidades que acompanhavam esse exercício. Em “O Homem de Mármore”, o ponto de vista não é salomônico, e sim de crítica pouco velada ao sistema. Mas é uma crítica inteligente, sofisticada, extensa em suas 2h40 de duração.

Wajda conta o esforço de Agnieszka (Krystyna Janda, muito bem no papel), jovem diretora que busca realizar um filme sobre um ícone da propaganda socialista, Mateusz Birkut (Jerzy Radziwilowicz), um pedreiro que havia caído em desgraça com o regime anos antes. Narrado em boa parte através de “flashbacks” e filmes de arquivo, “O Homem de Mármore” evoca o “Kane” de Welles, ao mostrar o poder da memória tanto de revelar quanto ocultar a verdade. Mas enquanto o filme norte-americano se debruça mais sobre a psicologia de Charles Foster Kane, Wajda está mais interessado em usar a história de Birkut para refletir sobre as contradições do regime comunista na Polônia e sobre a memória de seus compatriotas do tempo presente (os contestadores anos 70) em relação ao auge do regime, nos anos 50, quando o comunismo ainda parecia destinado a triunfar sobre os corações e mentes na Polônia e no resto do mundo.

Por meio da mídia estatal, Birkut é transformado de humilde pedreiro em herói do trabalhismo polonês. Participam da farsa um bem-sucedido diretor (inspirado no próprio Wajda), um agente secreto do regime, um amigo e até a esposa de Birkut, que são entrevistados por Agnieszka, fornecendo apenas visões parciais do que teria ocorrido ao pedreiro. O paradeiro do “herói”, aliás, sempre permanece envolto em mistério, como se Wajda afirmasse que a psiquê de seu povo sob o regime comunista seria impossível de captar e esclarecer de modo definitivo.

Importante lembrar que, à época de lançamento do filme, a Polônia estava prestes a se tornar o primeiro país da Cortina de Ferro a desafiar de modo contundente o domínio de Moscou. Em 1980, seria criado, na cidade portuária de Gdansk, o primeiro sindicato independente do partido comunista, o “Solidariedade”, que inspirou movimentos semelhantes na esfera comunista. Wajda documentou bem essa reviravolta, inclusive filmando uma continuação d´”O Homem de Mármore” em 1981, intitulada “O Homem de Ferro”, onde Agnieszka continua sua busca.



(Nota no IMDb: 7,9)


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